27.1.06

O Mundo Imperfeito

"Porque protestam estas pessoas?" - perguntou Maria Antonieta.
"Têm fome. Pedem pão." - respondeu o cocheiro.
"Se não têm pão, comam croissants."


Numa 'March Against Child Labour' em Nova Iorque, a repórter pergunta a uma criança que acompanha os pais:
«Sabes porque é que estás aqui?». O miúdo respondeu: «Sei, é para protestar contra o trabalho infantil dos meninos que são obrigados a fazer Nikes no Vietname». A repórter insistiu: «Tens pena desses meninos?». A criança concordou: «Sim, acho que os meninos do Vietname também deviam poder jogar na Playstation e ver televisão, depois da natação.»

Estima-se que no Mali, 55% das crianças entre os 10 e os 14 anos trabalhem. No Brasil serão mais de 15% e no Bangladesh cerca de 1/3. No Quénia são mais de 40%. Na China, cerca de 10%. Em todo o terceiro mundo a fotografia é a mesma, o trabalho infantil é não só uma triste realidade, como é, muitas vezes, a normalidade.

Milhões de crianças vietnamitas trabalham, nos arrozais, nas sweatshops, em fábricas de vão de escada que fornecem multinacionais e, principalmente, em casa. Serão os pais vietnamitas gente sem coração nem amor pelos filhos?

É fácil para um europeu do século XXI manifestar a sua indignação por estes números e exigir medidas para banir o trabalho infantil. Infelizmente não é possível acabar com o trabalho infantil gritando em manifestações ou publicando decretos-lei. A solução, a única solução, é o tempo. É esperar que os países mais pobres se desenvolvam, enriqueçam, e que os pais das futuras gerações consigam alimentar os seus filhos sem precisar de sacrificar a sua infância.

A ideia de que se podem castigar os países/empresas onde há trabalho infantil, através de embargos comerciais, essa sim, constitui um crime contra a pobreza. O miúdo do Vietname que passa a noite a coser bolas para a Nike, subcontratado por um qualquer subcontratado de um subcontratado da Nike, é invejado pelo filho do vizinho que trabalha 10 horas por dia nos arrozais ou nas minas e que também gostava mais de coser bolas em casa. Não só pagam melhor, como é uma bênção para os pais vietnamitas ter um filho a trabalhar em casa.

Se o ocidente decide de cátedra impedir a importação de produtos vietnamitas por causa do trabalho infantil, está apenas a tirar os miúdos de casa e a mandá-los de volta para os arrozais. A alternativa nunca é a Playstation ou os Morangos com Açúcar. É apenas mais pobreza e mais trabalho.

É óbvio que devemos sensibilizar, lamentar e por vezes exigir. Mas não podemos impor a quem nada tem que morra à fome em nome do nosso bem-estar intelectual.

E um ocidental, não pode fazer nada para acabar com este drama? Pode. Por exemplo, pode exigir o levantamento de todas as barreiras alfandegárias que impedem os países mais pobres de iniciar a sua longa caminhada na senda do desenvolvimento. Pode exigir o fim da PAC, o fim dos subsídios às empresas do mundo desenvolvido, o fim da ultra-regulação proteccionista.

Mais importante ainda, podemos também deixar de lhes vender "amanhãs que cantam". Há trabalho infantil no Vietname mas já não há na Coreia do Sul. No Laos, o trabalho infantil é generalizado mas em Singapura todas as crianças vão à escola. No Cambodja quase todas as crianças trabalham mas na Malásia o número tem-se reduzido significativamente. Ainda há muitas crianças chinesas a trabalhar mas já muito poucas em Taiwan. Será preciso explicar as diferenças entre os que ainda têm e os que deixam de ter?