1.3.06

As falácias do proteccionismo - parte CCXXXIX

Este post no Letras com Garfos ilustra aquilo que eu tinha dito anteriormente: a teoria das vantagens comparativas é mesmo uma ideia difícil. É uma ideia difícil porque o comércio continua a ser visto por muitos como uma actividade bélica. A economia é vista como uma actividade de produção de empregos e de estruturas burocráticas. Por esta óptica, um país retira vantagens de actividades económicas que dão prejuízo, ganha em vender a si próprio produtos mais caros, enriquece se alocar os seus recursos na produção de produtos que os outros disponibilizam a preço mais baixo.

O Letras com Garfos dá este exemplo:

Aproveitando-se da forte produção leiteira existente na Dinamarca, a Danish Ice Cream and Bicycle Co gasta menos dinheiro a produzir sorvetes, enquanto a Arabic Ice Cream and Bicycle Co gasta mais dinheiro na produção do mesmo produto devido à escassez de produção láctea na Arábia Saudita, o que leva a que a Arabic esteja ?morta? na produção dos dois produtos (sorvetes e bicicletas).
Portanto, o que a Arabic Ice Cream and Bicycle Co tem que fazer para sobreviver, é dedicar-se exclusivamente ao fabrico de bicicletas, passando a chamar-se Arabic Bicycle Co, o que não significa que a concorrente dinamarquesa deixe de produzir bicicletas também, para além da supremacia no negócio dos sorvetes que lhe pode permitir o dumping no negócio das bicicletas, sacrificando margens de comercialização compensadas pelo excelente negócio dos sorvetes, vendendo as bicicletas ligeiramente mais baratas do que a concorrente saudita. Não fosse a abundância de petróleo, os sauditas estariam numa posição complicada?


Comentário:

1. Aquilo que é importante para uma empresa não é a maximização do volume de negócios, mas a rentabilização do capital investido.

2. A empresa dinamarquesa não tem nenhum interesse em fazer dumping no negócio das bicicletas. O lucro da empresa seria maior se se limitasse a importar e a revender bicicletas árabes.

3. Nenhuma empresa tem interesse em alocar capital na produção de um bem só pelo gozo de dominar o mercado. Os investimentos fazem-se com um propósito: maximizar a rentabilidade do capital. Isto significa que uma empresa dinamarquesa que não tenha condições para produzir bicicletas acabará por abandonar o negócio investindo noutro negócio mais rentável. Numa fábrica de bicicletas na Arábia, por exemplo.

4. Os árabes também não têm nenhum interesse em produzir bicicletas por produzir. O objectivo da produção de bicicletas é satisfazer a procura. Se os dinamarqueses satisfazem a procura a preços mais baixos, qual é o interesse em dispender capital numa actividade cujo resultado final é mais caro? Se os árabes precisam de bicicletas, se os dinamarqueses as subsidiam, por que raio é que os árabes não haveriam de aprocveitar a estupidez dos dinamarqueses?

5. Será que os árabes devem produzir bicicletas mais caras para produzir emprego? Claro que não. O objectivo das fábricas de bicicletas é produzir bicicletas e não emprego. Se as bicicletas produzidas internamente são mais caras então é porque existem outras actividades onde os recursos são melhor aplicados. Note-se que, se assim não fosse os preços da mão de obra e do capital disponíveis internamente ajustar-se-iam até que as bicicletas produzidas internamente se tornassem mais baratas que as produzidas no exterior. O facto de as bicicletas produzidas internamente serem mais caras é uma prova de que os recursos disponíveis não devem ser alocados à produção de bicicletas e de que existem outras actividades mais lucrativas a que esses recursos podem ser alocados.

6. Note-se que no exemplo dado têm que existir outras actividades para além da produção de bicicletas e de lacticínios. Só assim é que pode haver comércio entre dois países em que um deles domina as duas actividades.

7. Na situação hipotética em que só existirem duas actividades económicas, só há comércio se existir alguma coisa para a troca. No caso da produção de bicicletas e de lacticínios, ou existem outros produtos, ou então, para haver comércio, um dos países tem que produzir laticínios e o outro bicicletas.

8. Suponha-se que só existem dois produtos e que a Dinamarca controla a produção de bicicletas e de lacticínios. Neste caso, os árabes não poduziriam nada. O que é paradoxal porque não teriam nada para a troca. Numa situação inicial em que a Dinamarca domina a produção de bicicletas e de lacticínios, os árabes dispõem de recursos não utilizados que lhes permitem entrar no mercado em que têm vantagens competitivas. Esta entrada não é condicionada pelo dumping dinamarquês porque os árabes não têm como pagar bicicletas importadas.