14.3.06

Enfática sinalética

Quantos surdos assistiram à cerimónia de balanço da actividade governativa? Segundo os jornais a dita cerimónia teve lugar perante militantes e deputados do PS e governantes. Como se sabe nem no PS nem noutro partido qualquer os deficientes estão, em Portugal, minimamente representados. Donde, pergunto-me, será que naquela assembleia alguém percebia os gestos daquela senhora que afincadamente traduzia para linguagem gestual a intevenção de Sócrates? Aliás mesmo que existisse um surdo naquela sala ele não precisaria para nada que lhe traduzissem o discurso já que o mesmo lhe chegaria impresso muito rapidamente.

A tradutora para linguagem gestual numa sala onde provavelmente não existiam ninguém que a entendesse é particularmente simbólica da hipocrisia a que nos conduziu o politicamente correcto: coloca-se uma tradutora para linguagem gestual mesmo que não faça falta alguma - já agora será que o discurso de Sócrates também foi distribuído para o bem menos telegénico Braiile? - mas, em Lisboa, sete em cada dez edifícios públicos não têm acessos para deficientes. Como se sabe a muitas das pessoas com dificuldades de deslocação resulta muito mais fácil deslocarem-se nas odiadas e privadissimas grandes superfícies do que em qualquer repartição pública ou lojinha "do comércio tradicional". Por fim (até porque tenho de acabar aqui já que ainda não aprendi a separar os textos de modo a que estes não se alonguem quais lençóis pelo Basfémias!)não deixa de ser peculiar observar que o mesmo Estado que não tem tradutores de linguagem gestual nos seus serviços como os centros de saúde, hospitais ou lojas do cidadão, de modo a que os surdos pudessem ser melhor atendidos, resolveu ornamentar os seus discursos de propaganda com linguagem gestual assim reduzida a uma espécia de enfática sinalética das frases do primeiro-ministro e doutros detentores de cargos políticos.