Por fim existem outras razões pelas quais fazem sentido muitas das coisas que o João Miranda critica. Poderia falar numa série deles, mas vou apenas falar no medo.
Um banco sabe que um investimento custa 50 milhões de euros. Tem uma probabilidade de 10% de dar um lucro de 2000 milhões de euros ao banco, ao fim de um ano. E tem 90% de probabilidade de que todo o dinheiro seja perdido.
Por outro lado, existe outro investimento que custa os mesmos 50 milhões de euros. Tem uma probabilidade de 100% de dar 70 milhões de euros ao fim do ano.
O primeiro tem, estatisticamente, uma rentabilidade esperada de 300%. O segundo tem "apenas" de 40%.
A decisão do banco dependerá do seu tamanho. O banco valoriza o valor esperado e a variância (dando um maior peso negativo a esta quanto menor fôr o seu tamanho).
O primeiro projecto pode nunca ser financiado, se não existirem bancos suficientemente grandes (e podem não existir) para valorizem suficientemente pouco a variância, ao ponto de tomarem a decisão mais racional do ponto de vista da sociedade.
Seguem-se alguns comentários:
###
1. O principal problema deste exemplo é que ele pressupõe que as diferentes probabilidades de sucesso são determináveis à partida. Ora, nos mercados reais isso nunca acontece. Nos mercados reais todas as projecções sobre o futuro, incluindo estimativas de probabilidades, estão sujeitas a uma incerteza cujo valor só será conhecido após a ocorrência dos factos sobre os quais se está a especular. O que significa que os bancos, quando optam por financiar um investimento, estão a fazê-lo com base em conjecturas e não com base em conhecimento certo. Os estatistas tendem a ser racionalistas e a partir do princípio que todos os dados do problema são do conhecimento de um agente do estado iluminado que tudo sabe e que decide sempre acertadamente. Mas na verdade, os problemas que envolvem risco são problemas cujos dados não são conhecidos de ninguém, muito menos dos agentes do estado.
2- A dimensão dos bancos num mercado livre não é o resultado do acaso. Os bancos tenderão a adquirir o tamanho adequado à dimensão e ao risco dos negócios existentes. Se não existem bancos com a dimensão suficiente para lidar com negócios com a probabilidade de sucesso de 10% e lucros de 300% é porque tais negócios não ocorrem em número suficiente para justificar um banco especializado neles. Note-se que nenhum agente pode, por si só, lidar com um único evento de baixa probabilidade e alto risco. Esses eventos só podem ser tratados de forma racional se o risco puder ser disperso por várias ocorrências semelhantes. Isto é, um banco só pode investir em negócios com 10% de probabilidade de sucesso se estiver em condições de apostar em 10 ou 20 ou mesmo 100 negócios do mesmo tipo.
3- O mercado de capitais tem instrumentos suficientes para lidar com o risco extremo (business angels, empresas de capital de risco, dispersão de acções em bolsa, derivados etc), de forma que negócios sérios com um risco de 90% de fracasso tendem a ser financiados por empresas ou grupos de empresas que apostam em vários projectos de risco ao mesmo tempo minimizando dessa forma o risco. O financiamento não depende de nenhum banco em particular, mas de uma verdadeiramente ecologia de agentes que utilizam os mais variados instrumentos de gestão de risco. Estes instrumentos permitem que o risco seja partilhado pelos mais diversos agentes económicos. Note-se que quando um negócio é avaliado pelos vários agentes que actuam no mercado de capitais, são contabilizadas as conjecturas de todos os agentes, e não apenas a de um agente considerado omnisiciente. Assim, não existem a priori negócios com 300% de lucro e 10% de probabilidade de sucesso. Existirá um valor de mercado para esse lucro e para essa probabilidade de sucesso que variará todos os dias de acordo com as diferentes conjecturas feitas pelos mais diversos agentes.
4- O exemplo citado pelo nosso leitor pode sugerir a alguns uma intervenção do estado, o qual teria a dimensão suficiente para lidar com o risco. O problema é que as conjecturas sobre o lucro futuro devem ser revistas em baixa a partir do momento em que o investimento passa a ser financiado pelo estado. Os agentes do estado, que também são humanos, não têm, ao contrário do banqueiro, um interesse próprio no sucesso do investimento. Ao contrário do que acontece com o banqueiro, no caso dos agentes do estado, o património não é deles e não sendo deles o risco também não é deles. Devemos esperar que um projecto financiado pelo estado não terá o mesmo grau de rigor nem o mesmo controlo sobre os custos e sobre o dinheiro emprestado que um projecto financiado por um banco privado.
5- Um governo não consegue competir em termos de avaliação de risco com uma verdadeira ecologia de agentes que passam o seu tempo a avaliar e a reavaliar o risco. Se os agentes do estado fossem realmente bons a avaliar o risco não estariam, em geral, a ganhar o salário de funcionários públicos. Seriam empresários e ganhariam muito mais.
7- O governo para lidar racionalmente com o risco tem que fazer o mesmo que um banco teria que fazer. Tem que dispersar o risco investindo em vários projectos ao mesmo tempo e não apenas num. Ou seja, o governo teria que se tornar num banco especializado em investimentos de risco. Mas esta possibilidade está em contradição com a hipótese inicial do problema que justificou a intervenão do estado de acordo com a qual não são viáveis bancos dessa dimensão.
8 - Existe um limite a partir do qual determinados projectos se tornam demasiado grandes para serem levados a cabo por uma sociedade. No mercado, os projectos estão limitados à avaliação do mercado como um todo. Se não for possível reunir no mercado dinheiro suficiente para levar a cabo o projecto é porque pesadas as conjecturas de todos os agentes do mercado se chegou à conclusão que não é possível dispersar e minimizar o risco. Pelas razões apontadas no ponto 4, esta avaliação é mais fiável que a que é feita pelo governo. Existe por isso um risco bem real de, por razões políticas, se iniciarem projectos que, pela sua dimensão e risco, colocam em causa a sustentabilidade da própria sociedade.