11.9.06

EQUÍVOCOS VÁRIOS

O Rui respondeu a esta minha posta. Com o nível de excelência esperado.

Mas, julgo, a sua reflexão confunde os objectivos e navega em plena turbulência conceptual: ###

- O laicismo não tem a ambição de agradar a gregos e troianos - nunca os religiosos aceitarão de bom grado que a sua "verdade" não possa ser infligida a qualquer preço;

- O laicismo não é uma utopia milenarista, antes decorre de um realismo actualista;

- O dito laicismo soviético não era laicismo: era comunismo puro e duro, i.e. uma crença que visava asfixiar todas as demais;

- Está (muito) por provar que tenha sido o sentimento religioso a varrer o comunismo aquando da Queda do Muro;

- O laicismo não quer impor nada sobre as mais íntimas convicções pessoais e individuais - pelo contrário, a laicidade vive do seu respeito mais integral e não sobreviverá se for coisa diferente;

- Assim, o laicismo em nada obsta a que as pessoas mantenham a sua esperança numa vida para além desta - como, também, não impede o contrário;

- O laicismo nunca é totalizante - pois a sua natureza é relativizar, na esfera pública, todos os absolutos;

- O laicismo nunca se poderá confundir com a verdadeira religião oficial de todos os despotismos contemporâneos - a generalidade destes (por exemplo, a ditadura católica de Salazar, as ditaduras islâmicas, as ditaduras de credo comunista, etc.) ou se amparam numa religião ou têm a pretensão de se transformar numa;

- Ao invés, a generalidade das democracias contemporâneas, onde a Liberdade existe, tende a ser laica (embora em graus diversos);

- Infelizmente não é verdade que esteja ultrapassada a questão da laicidade nas instituições públicas - em Portugal, a título de exemplo, vejam-se os protestos dos acólitos por causa da Lei do Protocolo e a permanência ilegal de símbolos religiosos nas escolas públicas;

- Também é redondamente falso que os fundamentalismos assentem em crenças individuais - na sua esmagadora maioria, aqueles derivam de estruturas organizativas, estatais ou privadas, em que a individualidade se esfuma para ser ofertada ao colectivo, mediante sacrifício total do "eu" e quase sempre através de voto de obediência absoluto aos dogmas grupais e à hierarquia estabelecida;

- É verdade que os homens matam e matarão sempre por amor, ciúme, despeito, orgulho, inveja e outros sentimentos pessoais - mas isso nada tem a ver com as mortes orquestradas por grupos religiosos que se julgam detentores da verdade e a querem impor ao resto do mundo a qualquer preço;

- A inigualável vantagem da laicidade é precisamente remeter o sentimento religioso para o plano intrinsecamente privado, portanto inquestionável e inviolável - e limitá-lo o mais possível nas "partes comuns" onde se torna susceptível de trazer os males terríveis que sempre aconteceram quando aí entrou;

- O laicismo não é uma espécie de metadona que visa substituir o ópio do povo - muito pelo contrário, trata-se de uma cura de desintoxicação, muitas vezes "a frio", é certo, mas sem a qual a esfera pública do social jamais conseguirá curar-se;

- Não tem qualquer sentido lógico tentar defender a esfera do religioso e imaginar um ataque à laicidade imputando a esta os defeitos daquele - nem a defesa procede nem a ofensiva colhe.