21.9.06

Pedro Arroja (2)

Mais ainda do que aquilo que terá acontecido com o Rui, devo muito a Pedro Arroja na minha "conversão" ao liberalismo. Há 20 anos era aluno de Direito e o liberalismo era-nos descrito como uma espécie de momento infantil do Estado Social logo ultrapassado pela chegada da maturidade intervencionista. Que a Liberdade individual dependia directamente da acção dos poderes públicos, i.e. era-lhes inteiramente tributária. Que a missão do Direito se resumiria à coadjuvação instrumental da intervenção do Estado que, mediante o seu superior critério, providenciaria a redistribuição do rendimento, dos direitos e de praticamente tudo o resto.
Note-se que o universo cultural das faculdades de direito - falo daqueles que se atreviam a ler alguma coisa para além do jurídico - oscilava entre os jovens (então) lobos da esquerda e os jurássicos do salazarismo pós-comatoso. Ainda existia, pelo meio, uma massa intelectulamente acomodada de situacionistas social-democratas e soaristas, mas estes, normalmente, eram avessos a leituras sem efeito imediato. E todos, todos, repito, partilhavam essa fé na intervenção pública como panaceia para todos os males sociais. E a palavra "liberal" provocava sorrisos feitos daquela sobranceria que só a ignorância encaminha. ###
Claro que já tinha lido Popper. E até já tinha ultrapassado a minha perplexidade incial com o "Amanhã, o capitalismo". E uma desconfiança liberal instintiva sobre tudo o que fosse Estado sempre me tinha acompanhado.
Então surgiram textos diferentes no Vida Económica. Depois, no Jornal de Notícias. Havia um professor de Economia que trabalhava os temas do momento de um modo completamente distinto. Desassombrado. Com uma lógica irrebatível. Por causa dos artigos de Pedro Arroja fui compelido a ler Hayek pela primeira vez. Depois nunca mais parei. Com o meu amigo Marcos Sousa Guedes, o mais versado de todos nós nesta "boa nova", um grupo de rapazes ficava até altas altas horas da noite a discutir a forma liberal de encarar o mundo. Foi aí, julgo, que se moldou grande parte daquilo que sou.
Alguns anos mais tarde tive a minha primeira "prova de fogo" liberal. Fui convidado para debater com o Prof. Daniel Serrão a Lei sobre transplantação de órgãos. Para meu enorme espanto, o auditório estava repleto - soube, tarde demais, que a maioria eram transplantados e seus familiares. Analisei a Lei e avancei com várias opiniões acerca do problema. Mas quando descrevi a posição liberal-libertária e, sobretudo, citei Pedro Arroja, rebentou um tumulto. Fui ameaçado, insultado, punhos furiosos agitaram-se no ar, o barulho era ensurdecedor e não consegui terminar. Julgo que só a intervenção do meu "adversário" impediu o confronto físico. Esta cena repetiu-se muitas vezes com temas diversos. Sempre que desafiava uma audiência a pensar diferente, à estupefacção sucedia a hostilidade. Na vida partidária, os "aliados" pediam-me para esquecer essa "coisa" - curiosamente, ou talvez não, alguns deles agora roncam profissões de fé liberais onde antes viam fundamentos para processos disciplinares por «afrontar os ideais e a estratégia do partido»...
Pedro Arroja inquietou, incomodou e interpelou as consciências, num país adormecido. Que permanecia, como dizemos, aqui no Blasfémias, bovinizado. Parte da geração a que pertenço refere-se-lhe como aquele que teve a ousadia de ser o primeiro. Muitos outros vieram depois.
Mas Pedro Arroja ainda aí está...