Tive o privilégio de conhecer o Prof. Pedro Arroja há quase vinte anos atrás, no seu regresso do Canadá onde se acabara de doutorar.Na altura, já me considerava um liberal e, graças a Orlando Vitorino e a amigos que nos eram comuns, conhecia razoavelmente alguns dos autores que marcaram o liberalismo do século XX, principalmente Hayek e Mises, da Escola Austríaca, e Milton Friedman, da Escola de Chicago Lera um pouco de Popper (a inevitável «Sociedade Aberta»), e Henri Lepage e Guy Sorman, os divulgadores liberais mais populares dessa época. Entusiasmei-me com o «Figaro Magazine» de Louis Pauwels, um velho e insuspeito conhecido dos remotos tempos do «Le Matin des Magiciens» e exaltei-me com a «Revolução Conservadora» de Reagan e Thatcher.
Porém, ser nesse tempo liberal - deste liberalismo - em Portugal, não tinha qualquer significado. Correspondia, na melhor das hipóteses, a não se ser coisa alguma.
Do «liberalismo» dizia-se apenas que era a filosofia da Revolução Francesa, que inspirara a política portuguesa do século XIX, a partir de D. Pedro e do constitucionalismo monárquico que marcou essa centúria após 34. À esquerda, o «liberalismo» era considerado uma filosofia económica ultrapassada, situada nos idos do século XVIII e na primeira Revolução Industrial, e cujos resquícios tinham sido competentemente varridos para debaixo dos tapetes das democracias ocidentais com o crash e o keynesianismo. Coisa morta e enterrada, portanto. À direita, o liberalismo tinha péssima reputação: assunto de carbonários e jacobinos, que queriam «enforcar o último dos reis com as tripas do último dos papas», e que tinham destruído a pátria com as suas infindáveis querelas parlamentares na I República. A direita portuguesa estava, nessa altura e como sempre, à procura de um pater familae que a domesticasse, exercício a que se dedica desde tempos imemoriais com esmero e perseverança.
Nas Universidades, do liberalismo diziam-se banalidades e lugares comuns, ou repetia-se a vulgata marxista que o situava, na simplicidade dialética dos opressores e dos oprimidos, inequivocamente sob o jugo dos primeiros. Em regra, era matéria tratada na parte histórica das poucas disciplinas que o consideravam digno de registo, com ligeiras variações consoante o «mestre» fosse de esquerda ou de direita.
Porém, ser nesse tempo liberal - deste liberalismo - em Portugal, não tinha qualquer significado. Correspondia, na melhor das hipóteses, a não se ser coisa alguma.
Do «liberalismo» dizia-se apenas que era a filosofia da Revolução Francesa, que inspirara a política portuguesa do século XIX, a partir de D. Pedro e do constitucionalismo monárquico que marcou essa centúria após 34. À esquerda, o «liberalismo» era considerado uma filosofia económica ultrapassada, situada nos idos do século XVIII e na primeira Revolução Industrial, e cujos resquícios tinham sido competentemente varridos para debaixo dos tapetes das democracias ocidentais com o crash e o keynesianismo. Coisa morta e enterrada, portanto. À direita, o liberalismo tinha péssima reputação: assunto de carbonários e jacobinos, que queriam «enforcar o último dos reis com as tripas do último dos papas», e que tinham destruído a pátria com as suas infindáveis querelas parlamentares na I República. A direita portuguesa estava, nessa altura e como sempre, à procura de um pater familae que a domesticasse, exercício a que se dedica desde tempos imemoriais com esmero e perseverança.
Nas Universidades, do liberalismo diziam-se banalidades e lugares comuns, ou repetia-se a vulgata marxista que o situava, na simplicidade dialética dos opressores e dos oprimidos, inequivocamente sob o jugo dos primeiros. Em regra, era matéria tratada na parte histórica das poucas disciplinas que o consideravam digno de registo, com ligeiras variações consoante o «mestre» fosse de esquerda ou de direita.
Até que apareceu Pedro Arroja e as coisas começaram a mudar. Arroja escreveu nos jornais, apareceu nas televisões e nas rádios, fez conferências, editou livros e deu aulas em Universidades públicas e privadas. Como não poderia deixar de ser em Portugal, as primeiras reacções à personagem foram de uma certa bonomia: o homem parecia divertido, até mesmo um pouco exótico, escrevia bem e falava melhor, mas não merecia que o Portugal «sério» lhe dedicasse muita atenção. Defendia umas bizantinisses que ninguém levava muito a sério e sem importância. Até que Arroja começou a escrever e a falar para além do que a nossa proverbial tolerância admite. Começou a formar alguns discípulos e, coisa grave, o que dizia parecia agradar amplamente à opinião pública. De facto, Arroja conseguia aliar a simplicidade discursiva à complexidade dos argumentos. Usava em defesa das suas posições uma fantástica capacidade retórica e desarmava com fundamentos elementares e dificilmente refutáveis os contra-argumentos que se lhe opunham. Arroja, a partir daí, passou a ser visto com outros olhos e a inteligentzia lusa tratou de o rotular como um alucinado e um irrealista. Não era, pois, para levar a sério: faltava-lhe a gravitas do célebre Conselheiro Gama Torres, paradigma da superioridade intelectual portuguesa. De facto, também para Arroja, como para Gama Torres, existiam «questões terríveis». Só que não eram «o pauperismo e a prostituição», nem tinham as «soluções» tradicionais da política portuguesa. Alguns, menos dados à «tolerância», perderam as estribeiras e passaram ao insulto pessoal.
Vinte anos mais tarde, muitos dos argumentos que Arroja empregou estão por aí, à solta, um pouco por todo o lado. Os jornais reproduzem-nos, os blogues divulgam-nos e aprofundam-nos, os comentadores e os políticos, na sua forma por vezes tosca e rudimentar, utilizam-nos. Vinte anos após, o liberalismo é do conhecimento geral e parece ser levado a sério, ainda que muitas vezes criticado com os mesmíssimos argumentos de há vinte anos atrás. Muito do que até hoje foi conseguido no arejamento das ideias e das mentalidades, para bem da nossa consciência colectiva, é devido a Pedro Arroja. Ainda recentemente, um ilustre amigo socialista referia, embora realçando as diferenças, que Pedro Arroja tinha razão em muito do que dizia e lamentava o seu «desaparecimento» nos grandes debates públicos.
Na verdade, no seu mais do que elementar direito de fazer da sua vida o que muito bem entendesse, Pedro Arroja decidiu enveredar pela vida empresarial, onde tem sido particularmente bem sucedido, e abandonar a intervenção pública. É pena. A sua contribuição, nesta altura em que o liberalismo parece estar definitivamente na ordem do dia podia ser decisiva para lhe dar o toque final de coerência que, apesar de tudo, ainda lhe falta.
Pedro Arroja poderia ser hoje a «pequena» diferença que faria uma diferença enorme.