29.12.06

Da Europa

Este é um bom artigo de Luciano Amaral, completado aqui.###
Com efeito, a UE é uma excelente construção política, que foi caminhando para uma integração económica onde se alcançaram alguns êxitos (o mercado único - ainda em construção, a moeda única e o fim das fronteiras). O processo percorrido foi quase o inverso das comunidades estruturalmente federais, cujo melhores exemplos serão os EUA e a Alemanha. Nestes dois casos, foi a partir de uma pré-realidade de união, nomeadamente económica, de mercado e em grande parte também linguística, que posteriormente se formaram as estruturas políticas federais.

Na UE logo após o lançamento das bases do mercado único, entenderam os seus dirigentes passar de imediato à fase da união política, de cariz federal. Ora, isso foi andar com o carro à frente dos bois. O processo de criação de um mercado único ainda não está terminado, pois muitas áreas estão ainda «nacionalizadas» ou «estatizadas» e a moeda única precisa ainda de algum tempo de estabilização.

A tudo isso acresce que a UE quase que duplicou os seus membros em apenas 3 anos. Qualquer que seja o tipo de entidade ou comunidade que tenha um súbito acréscimo de 85% de membros sofrerá obviamente um forte impacto interno e necessitará de tempo para absorver as mudanças e processar formas de adaptação e estabilização necessários à convivência entre todos. No caso da UE, será ainda necessário que os mais «novos» tenham tempo de se modernizarem, efectuarem as alterações para os padrões e regras económicas, políticas e estruturais em que os «mais velhos» já vivem há algumas dezenas de anos. Para e por tudo isto, é preciso tempo.

Na previsão desta nova fase, os 27 tentaram acordar em processos decisórios mais conformes a tal numerosa família, por forma a não «deitar a casa abaixo», pois as regras iniciais não tinham sido pensadas para esta nova situação. Daí o Tratado de Nice de 2001 (que só entrou em vigor em 2005!), e do qual, agora, muitos dizem que afinal tal tratado não foi bom e não resolve nada. Não creio que seja bem assim, e sobretudo a sua vigência de apenas um ano não permitirá tirar grandes conclusões.

Num segundo passo, e na antevisão de um emaranhado de diferentes tratados celebrados ao longo de 4 décadas, a que acresciam as regras consuetudinárias e as que resultaram da acção do tribunal europeu, decidiu-se fazer a sua unificação e simplificação. Foi só isso que se decidiu e que se pretendia, é sempre bom lembrar!

Mas de uma cartola, Giscard e meia dúzia de auto-iluminados que se julgaram no papel de founding fathers, apresentaram uma «constituição», a qual enunciava um novo caminho de união política, ainda para mais sob a forma de um documento fechado com pouca ou mesmo nenhuma capacidade de adaptação ao normal fluir político de um conjunto tão vasto de países tão diferentes. Tal solução foi até agora sempre apresentada como a «única», do género de «pegar ou...pegar».

Ora, há de facto alternativas. A primeira e mais óbvia é dar o tal tempo necessário de adaptação à convivência entre 27 estados, dos quais 12 tem menos de 3 anos de pertença ao clube e estão ainda em etapas muito preliminares de cumprimento de requisitos e práticas comunitárias. Dirão alguns que não se pode deixar as coisas como estão. Porquê?, pergunta-se e tem-se geralmente dois tipos de resposta que por vezes se acumulam. Por um lado, os «imperialistas», os que vêem a UE como um bloco com capacidade e interesse de intervir politica e económicamente no mundo seja para interesse próprio, seja - e é essa a imagem preferida que «vendem» - para o «salvar».....

Em segundo lugar, existem aqueles que dizem que há absoluta necessidade de modificar o processo decisório e institucional, sob pena de «paralisação» ou eterna «confusão». Bom, não se vê paralisação nenhuma. Não há noticia que as instituições estejam em crise. Dá a ideia que as coisas fluem ao ritmo de sempre: tudo muito negociado, avanços, recuos, maratonas, conselho para aqui e para ali. Enfim, o costume nos últimos 40 anos. A não ser que exista alguma urgência ou pressa...mas adivinho que aí devem aparecer apenas os argumentos dos «imperialistas».....

Uma outra alternativa, caso se conclua que de facto existe necessidade de unificação dos diferentes tratados e da sua simplificação, então seria de fazer o trabalho que tinha sido encomendado à dita «convenção». Seria reiniciar o processo, que pela amostra, não deveria durar mais do que um ano, e apresentar um Tratado que fosse «vendido» como tal (e não sob outra roupagem), e explicado que se tratava apenas disso mesmo: unificar o que já existe e simplificar. Ou seja, sem novas atribuições e competências, sem novas figuras «institucionais», nem «objectivos» nem «desígnios» grandiosos. Só arrumar a casa.

Depois se veria.