22.12.06

a idade dos juizes



Aquilo que um regime ditatorial mais teme dos juizes é que eles não apliquem as leis - leis que foram feitas pelo ditador ou pelo seu círculo de fieis e nas quais se funda a sua autoridade. Por isso, num regime de ditadura, o exercício do poder judicial transforma-se numa mera questão técnica de aplicação das leis e os juizes em mais um corpo da administração pública dispondo do seu próprio ministério.###

Numa sociedade ditatorial, a formação dos juizes é uma formação que possui uma carácter essencialmente técnico de interpretação e de aplicação das leis. Esta formação é prioritariamente realizada nas Faculdades de Direito e eventualmente complementada por um curso de especialização, ainda na Faculdade de Direito, ou em instituição criada expressamente para esse fim. E tudo aquilo que, nesta sociedade, se exige a um jovem para que venha a ser juiz é ser um excelente estudante de Direito. Mais nada.

Daqui resulta que uma das características de uma sociedade ditatorial é a imensa juventude de uma boa parte dos seus juizes. Nesta sociedade, um estudante de Direito pode chegar a juiz ainda na casa dos vinte anos. Este é um resultado surpreendente porque é contra a natureza das coisas, aquilo que é normal é que sejam os mais velhos a julgar os mais novos, não os mais novos a julgar os mais velhos - e, no entanto, a idade de um juiz está frequentemente muito abaixo da idade média da população adulta que ele um dia irá julgar.

Porém, nesta sociedade, o acesso de um jovem à função de juiz não é apenas a consequência natural da formação que o regime ditatorial lhe exige para o desempenho da função - uma formação que, sendo apenas técnica, lhe pode ser ministrada num número razoavelmente pequeno de anos. O próprio regime ditatorial encoraja a produção de juizes jovens e frequentemente torna-os símbolos do regime. Porque, ao colocar juizes jovens a julgar pessoas que são, em geral, mais velhas - e, frequentemente, muito mais velhas - o regime está constantemente a lembrar a todos os seus súbditos o estado de perpétua infantilidade que os caracteriza e a incapacidade que eles teriam em viver sem a sua protecção tutelar.

Por isso, quando, por qualquer acidente da história, este regime ditatorial é substituido por um regime democrático, é, em parte, pela idade dos juizes - embora não só pela idade dos juizes -que o sistema de justiça que tinha servido bem o ditador começa a perder prestígio, provavelmente até à ruína final.

Mais dado às coisas práticas da vida, e a valorizar a experiência mais do que os estudos académicos, o homem democrático tem dificuldade em aceitar aquilo que muitas vezes encontra quando recorre a um tribunal. Lá ao fundo, no topo da sala, envolto numa toga, preparado para julgar um caso que lhe pode afectar os seus interesses patrimoniais - ou até a sua liberdade - de uma forma decisiva, está frequentemente um jovem com idade para ser seu filho, senão mesmo seu neto, e a quem ele não reconhece qualquer experiência da vida, menos ainda maturidade para julgar.