26.12.06

o resultado final



De uma forma que não é meramente tendencial, mas absoluta, um ditador não pode consentir que os juizes gostem da população. Porque, se eles gostarem, eles vão, com o decorrer do tempo, colocar-se ao lado da população, sentir os abusos, as violências, as repressões de que a população é vítima às mãos do ditador e, em muitos casos, recusar-se-ão a aplicar as leis que tornam a ditadura possível.###

Por isso, um ditador tem de usar de particular prudência nas relações com os juizes. Em primeiro lugar, a nomeação dos juizes é submetida a escrutínio pessoal do ditador, ou dos seus mais fieis colaboradores. Em segundo lugar, o ditador chama os juizes a si conferindo-lhes privilégios e honrarias: emprego para a vida, um bom salário e outras regalias salariais, estatuto social, dignidade na hierarquia do Estado e um estatuto de irresponsabilidade pelas suas decisões que os torna livres de toda as preocupações no desempenho das suas funções.

Porém, a atitude de superioridade perante a população e de um certo desprezo pela população - na realidade, os súbditos - essa o ditador vai fomentá-la estimulando o mais feroz corporativismo entre os homens e mulheres que exercem a função judicial, por forma a isolá-los do resto da sociedade na mais opaca redoma. Os juizes serão formados por juizes - os quais mais tarde formarão nova geração de juizes -, serão avaliados por juizes e prestarão contas a juizes. A prazo, um homem que se tenha tornado juiz só considera relevantes para a sua vida pessoal, para além da sua família imediata, um pequeno número de outros homens e mulheres, os quais serão invariavelmente juizes.

As Faculdades de Direito do país, onde os juizes iniciam a sua formação - bem como as escolas especializadas onde eventualmente a complementam - tornar-se-ão, então, a sede de uma cultura que alimenta o mais radical espírito corporativo, que é o espírito de deferência pelos seus pares e de desprezo por todos os que o não são.

No dia em que esta cultura de formação dos juizes entrar em contacto com o ethos de uma sociedade democrática, o resultado final não vai ser nada menos que uma profunda crise na judicatura e, por implicação, no sistema de justiça.