1. Publicado em 1962 pela Chicago University Press, "Capitalism and freedom" é uma obra maior de Milton Friedman. A nossa atenção irá cingir-se ao capítulo VI da obra, intitulado "The Role of Government in Education". A edição analisada é a de 1982 da referida editora. Uma breve análise, um modesto tributo a Milton Friedman, será seguida por comentário ao tema contendo proposta de bases gerais para uma reforma liberal do ensino. ###
Para Friedman, a educação deve ser abordada em duas perspectivas diferentes, a saber, a "general education for citizenship", por um lado, e o "vocational and professional schooling", por outro lado. A intervenção do Estado justificar-se-ia mais no primeiro caso do que no segundo, para o autor.
A acção do governo relativamente à educação deveria ter em conta o que Friedman designa por "neighborhood effects". Para o autor, "A stable and democratic society is impossible without a minimum degree of literacy and knowledge on the part of most citizens and without widespread acceptance of some common set of values" (pág. 86). Este conceito serve de base para o autor aceitar uma intervenção do Estado na educação básica, tendo em conta o objectivo de promover "social and political leadership".
Friedman, contudo, contesta a "nationalization" do ensino, uma vez que os mesmos objectivos poderiam ser (mais bem, segundo o autor) atingidos pelo sistema que propõe: "giving parents vouchers redeemable for a specified maximum sum per child per year..." (pág.89).
O autor refere que os defensores do ensino estatal criticam as escolas de base religiosa, que poderiam "instil sets of values that are not consistent with one another", podendo suceder que "they convert education into a divisive rather than a unifying force" (pág. 90). Friedman, contudo, defende a desnacionalização das escolas, tendo em conta a "preservation of freedom itself", mas mantendo a esperança que "parochial schools would decline rather than grow in importance"(pág. 91).
O autor reconhece que em alguns casos nos quais exista um "technical monopoly", devido a um reduzido número de alunos, será difícil que exista concorrência. Noutras condições, contudo, a concorrência levaria a um "development and improvement of all schools", bem como a uma "healthy variety of schools" e ainda à possibilidade de introduzir "flexibility into school systems" (pág. 93). Para Friedman, "we are threatened with an excess of conformity" (pág.97).
Passando para o ensino de grau mais elevado, Friedman defende que "Any subsidy should be granted to individuals to be spent at institutions of their own choosing..." (pág.99). Os estudos vocacionais e profissionais são entendidos pelo autor como uma forma de investimento em capital humano (pág.100). O autor propõe que os estudos possam ser financiados pelo Estado, mas que, em contrapartida, após o término da formação, o indivíduo pague ao Estado uma percentagem dos seus vencimentos (pág. 105). Uma das alternativas, o pagamento dos estudos profissionais através de subsídios, corresponderia, para o autor, a uma forma de redistribuição de rendimentos para a qual não encontra justificação. Crucial, na perspectiva do autor, seria "to make equality of opportunity a reality" (pág. 107).
2. As opiniões de Milton Friedman sobre esta temática constituíram objecto de reflexão nos anos subsequentes à publicação da obra. Friedman propõe a escolha por parte do interessado e a existência de adequadas condições de concorrência.
Ora, estas características poderão ser tanto mais úteis, quanto mais ineficiente for o sistema educativo. A introdução de concorrência poderá ser a chave para a melhoria do sistema de ensino, a par do reconhecimento do poder da escolha pelo directamente interessado, em detrimento do planismo (planificação). Para tanto, contudo, forçoso será que seja disponibilizada informação credível sobre os resultados obtidos por cada escola, a qual servirá de guia para cada um.
Friedman insiste no ponto segundo o qual as escolas subsidiáveis são aquelas que preencham determinadas condições. Tais condições, poderíamos dizer, são, para além de outras, o primado da razão, da inteligência e do método científico, em detrimento da superstição e do conhecimento não científico.
Chegamos assim a um ponto crucial, reconhecido pelo próprio Friedman, que consiste nas "parochial schools", ou seja, as escolas de inspiração religiosa. Salvo melhor opinião, o ensino de base científica e o ensino de base religiosa, porque radicam em pressupostos diferentes e irreconciliáveis, não devem ter lugar na mesma escola. O legado científico, cujas origens são as mesmas da civilização europeia, ou seja, o mundo greco-romano, deverá ser ensinado nas escolas. Tal como já Platão reconheceu, o ensino é verdadeiramente fundamental para retirar o Homem da caverna.
O ensino religioso, pelo seu lado, deve ser livre, representando uma manifestação da Liberdade Humana, mas deve ser ministrado de forma e em condições de total separação relativamente ao ensino de base científica. Entidades de natureza religiosa poderão ser detentoras de colégios nos quais se ministre ensino científico, tal como acontece com quaisquer outras entidades. Se desejarem dedicar-se ao proselitismo religioso, contudo, deverão fazê-lo noutros locais.
Desde que se encontre assegurado o cariz científico e não confessional do ensino - entenda-se, para todas as crianças - estará dado o passo para poder implementar o sistema proposto por Friedman. Tal sistema poderá ter particular interesse quando sistemas baseados no ensino estatal se revelem particularmente deficientes nos resultados alcançados.
Serão de rejeitar modelos baseados em conceitos maniqueístas da coexistência de dois sistemas de escolas, um considerado "bom" e o outro "mau". Tal corresponderia a aceitar que parte dos alunos seriam encaminhados para o sistema considerado "mau", algo que é indefensável.
3. O conceito de separação entre Estado e Igrejas acompanha-se de consequências no campo do financiamento do ensino, uma vez que se o ensino de cariz científico e o ensino religioso se processassem nas mesmas escolas, elas próprias de natureza religiosa e financiadas pelo Estado, poderia estar em causa a referida separação.
A prestação de serviços de ensino por parte do Estado resolve tal problema, mas pode acompanhar-se de consequências relativamente pesadas no que respeita aos resultados obtidos. Tais resultados poderiam ser melhorados através da introdução de escolha e de concorrência, e não implicaria o encerramento de todas as escolas estatais, mas apenas daquelas com maus resultados, ou seja, daquelas que não fossem escolhidas.
A reforma liberal do ensino visaria então (sem prejuízo de uma abordagem específica das situações de "monopólio técnico"):
1. Melhorar os resultados do ensino.
2. Promover a escolha da escola e o financiamento ao aluno como formas operacionais de atingir o primeiro objectivo.
3. Estabelecer, no campo do ensino, como corolário da separação entre Estado e Igrejas, uma separação total entre ensino científico e ensino religioso.
4. Promover a liberdade de ensino religioso, em locais e por entidades separadas relativamente ao ensino de base científica, sendo que este último deve ser independente de todas as religiões e filosofias pessoais.
5. Adaptar o sistema de ensino ao status de concorrência global actualmente existente, uma vez que maus resultados pedagógicos e cívicos podem comprometer o futuro de qualquer país.
José Pedro Lopes Nunes