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No seguimento dos meus posts anteriores, eu tinha planeado apresentar ainda hoje um post contendo uma tese que julgo verdadeira e, talvez, de certo modo original sobre a relação entre religiosidade e Estado de direito. Porém, em vista da reacção que os meus posts geraram, não apenas entre os comentadores, mas entre os próprios blasfemos, que decidiram fazer outros tantos posts sobre a evocação de Deus nas constituições políticas de diversos países, ou sobre a ausência dela, eu decidi adiar o assunto para outro dia.
Nada pior do que apresentar uma tese nova num clima de expectativa e de uma certa agitação agitação - só gera reacções negativas. Para ser eficaz, uma tese nova tem de ser apresentada de forma inesperada e surpreendente, e num clima de serenidade, afim de passar todas as fases pelas quais todas as verdades, segundo Schopenhauer, têm obrigatoriamente de passar: primeiro, são ridicularizadas; segundo, são violentamente contestadas; terceiro, são aceites como óbvias. A última vez que consegui este resultado foi ainda há cinco dias com o post noutro lugar e, por isso, achei por bem não abusar da sorte.
Assim, decidi apresentar outra tese: desde que conheço o Blasfémias, em nenhum dia, como hoje, ele se pareceu tanto com a igreja - e com a igreja católica.###
Uma das questões acerca das quais eu demorei mais anos para encontrar resposta foi a de saber como era possível que uma instituição baseada em relações voluntárias, sem poderes coercivos, alvo de tantos e tão ferozes ataques ao longo da sua história e atravessando todas as tragédias da humanidade - como foi o caso da Igreja Católica - tenha conseguido, ainda assim, sobreviver e tornar-se a instituição de maior longevidade na história da civilização.
A resposta acabei por encontrá-la pela mão do historiador britânico Thomas Macaulay e residia na capacidade da Igreja para lidar com a dissidência. Esta capacidade reveste formas subtis de que nem um homem num milhão se consegue aperceber, mas que são extraordinariamente eficazes. Uma delas, sob o argumento de que todos os homens são filhos de Deus, consiste em abrir as portas a toda a gente, mesmo aos seus mais viscerais inimigos, e aceitar dialogar com pessoas de todas as persuasões religiosas, ou ausência delas - crentes, agnósticos e ateus. Desde que o tema da conversa seja Deus.
Abrindo a sua casa a todos, desde que seja para falarem de Deus, a Igreja não apenas aceita falar com todos, como ela própria encoraja a falar sobretudo aqueles que são os mais acérrimos adversários de Deus, ao ponto de negarem a sua existência - os ateus. E é por essa via que ela desacredita os ateus. Na realidade, qualquer observador independente acabará naturalmente por interrogar-se como é possível que aquele homem ou mulher, que se diz ateu, gaste tanta energia intelectual, tanto tempo e, às vezes, tanto dinheiro, para se documentar, para estudar e para falar sobre algo em que não acredita - Deus. Não ocorreria a ninguém despender recursos assim para falar de gambozinos.
Logo de seguida, a Igreja desacredita os agnósticos. Abrindo as portas a todos os interessados e dando liberdade de pensamento e de expressão às duas partes em confronto - crentes e ateus - e fazendo geralmente prova de uma paciência sem limites até que todos os argumentos tenham sido apresentados de um e de outro lado da questão, a Igreja deixa os agnósticos numa posição
muito difícil. Pois se, possuindo agora toda a informação sobre os dois lados da questão, ainda assim eles se declaram incapazes de escolher entre a posição teísta e a posição ateísta, então o problema já não é da Igreja, mas só pode ser deles, que são incapazes de decidir.