De R.J. Conceição Nunes recebemos o texto que se encontra em seguida.
O Euro é a moeda única europeia, que permite que os preços não difiram muito acentuadamente dentro do espaço do Euro, em consequência de perturbações das variações cambiais. O Euro tem, na Europa comunitária, o papel do dólar nos Estados Unidos, onde os estados não têm moeda própria.
O Euro é "governado" pelo Banco Central Europeu, tal como o dólar é gerido pelo Sistema de Reserva Federal. O objectivo da sua actuação é manter estáveis os preços dentro do espaço europeu, fazendo variar a taxa de juro de referência - o preço do dinheiro - ao nível considerado adequado.
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O BCE segue a lógica do Banco Federal Alemão (Bundesbank), cujo principal arquitecto foi o falecido economista Walter Eucken (recentemente homenageado pelo BCE), defensor da chamada "Ordoeconomia" - a economia de mercado livre com um banco central regulador independente.
A opção de pertencermos à União Europeia - ao tempo, Comunidade Económica Europeia - foi tomada em 1977, pelo então Primeiro-Ministro, Dr. Mário Soares. Poderá ter sido determinada principalmente por razões políticas. Era um "seguro político" contra as investidas da esquerda revolucionária verificadas nos três anos anteriores. Para um Primeiro-Ministro socialista nessa época, o "preço a pagar"era a aceitação da base livre-cambista da Comunidade Europeia. Não seria possível governar a economia com planos centrais, à revelia do mercado livre; não haveria mais nacionalizações; os preços teriam de deixar de ser tabelados; não se poderia continuar a subsidiar empresas por razões políticas.
A alternativa seria mantermo-nos apenas na EFTA (onde ainda estão a afastadíssima Islândia, a riquíssima Noruega e a neutralíssima Suíça, com o contrapeso do pequeníssimo Liechtenstein), mas que não nos daria um "seguro político".
Quando o Tratado de Maastricht apontou o caminho para a união monetária, já o mercado único estava implementado (com livre circulação de mercadorias, capitais e serviços) e todos os países tiveram de fazer um esforço de convergência em matéria monetária, com vista à adopção de uma moeda única. O Reino Unido preferiu não vir a fazer parte do novo "clube", e, posteriormente, a Dinamarca e a Suécia adoptaram a mesma solução, cada país pelas suas próprias razões políticas - não económicas. Mas estes países ficaram obrigados a praticar uma política monetária de modo que os preços dentro da União não se afastem significativamente.
Portanto, a manutenção da estabilidade cambial e monetária está hoje adquirida na União Europeia, e a adopção de uma moeda única por um conjunto importante de estados facilitou as transacções dentro do espaço do Eurosistema.
Terá sido o facto de termos passado a usar outras notas que gerou a crise actual? Residirá o problema na estabilidade monetária? É certo que se verificou uma certa "inflação psicológica" aquando da troca das notas, nomeadamente com comportamentos oportunistas nos serviços. Mas o tempo e a concorrência encarregaram-se de a absorver.
A estabilidade monetária e cambial intraeuropeia - antes e depois da troca das notas de Escudos pelas de Euros - fez baixar a inflação e a taxa de juro. Verificaram-se, portanto, efeitos-preço e riqueza que deram, nos primeiros anos, aos portugueses, a sensação de que tinham aumentado de nível de vida e riqueza, pois os salários subiam mais do que os preços e, com o fácil recurso ao crédito, passaram a utilizar casas, automóveis, férias, etc., como se tivessem um nível de vida e de riqueza muito superior. A economia foi empurrada pelo consumo, sustentado pela expansão do crédito e com um efeito perverso no endividamento das famílias. A aquisição de habitação pelos jovens foi mesmo fiscalmente incentivada, o que contribuiu para o aumento do deficit público.
Quando Portugal podia desvalorizar - antes do compromisso de Maastricht - a variação cambial permitia manter a competitividade externa das nossas empresas. Em consequência, as importações encareciam e os preços internos subiam (incluindo a taxa de juro). Os efeitos-preço e rendimento funcionavam ao contrário, o que travava o consumo, equilibrando-o em relação ao nível de riqueza do país. Mas o padrão do nosso desenvolvimento estava "viciado" pela possibilidade de desvalorizar a moeda em tempo de crise. O nosso padrão de desenvolvimento era mantido na base de salários baixos.
Com a adopção do Euro, a subida dos salários, conjugada pela redução da taxa de juro, foi tornando pouco competitivas as indústrias exportadoras, cuja viabilidade dependia de salários baixos. Em dez anos, a têxtil perdeu cem mil empregos, e o desemprego atingiu níveis similares aos dos finais da década de 1970, início de 1980. O Euro é, assim a via para mudarmos de paradigma no campo das exportações, abandonando as indústrias tradicionais ineficientes dentro do novo campo concorrencial. O desemprego terá, assim, e necessariamente que aumentar, até serem eliminadas as empresas ineficientes.
A manutenção de uma certa competitividade externa de parte das nossas indústrias teria requerido a flexibilização do mercado do trabalho e a contenção salarial - tanto do sector privado como do público - a redução do défice público, a passagem para o sector privado de todos os serviços públicos que pudessem ser ministrados por estruturas privadas concorrenciais, e o aumento da produtividade não só das empresas exportadoras, como também das que indirectamente as influenciam: transportes, energia, sistema de justiça, etc.
O Euro obriga os governos a gerirem os recursos públicos com parcimónia, e a fixar uma carga fiscal que favoreça o crescimento económico. Obriga ao emagrecimento do sector público e ao equilíbrio das contas públicas - e a colocar o consumo dentro do nosso real nível de riqueza.
Quem não gosta do Euro e não gosta da União Europeia, pode admitir que a economia portuguesa seja viável fora deste espaço. Quem defende a tese do abandono do Euro é favorável ao encerramento das fronteiras, ao regresso aos direitos protectores, à instalação de empresas que produzam bens de substituição dos produtos importados, com maiores custos e redução do bem-estar dos consumidores. E, sobretudo, o regresso ao modelo dos baixos custos salariais. Teríamos que denunciar os acordos europeus a que estamos vinculados - um quadro que só seria possível com uma alteração política para a extrema-esquerda ou para a extrema-direita.
O nosso futuro padrão de desenvolvimento não corresponderá a montarmos fábricas com produções iguais às da Espanha, da Irlanda ou da Finlândia, mas sim ao aproveitamento das nossas vantagens comparativas, não apenas no espaço do Euro, mas sim a nível global. Corresponderá, portanto, a um novo modelo, que só poderá revelar-se a prazo, visto que as alterações estruturais não são de efeito imediato.
A adaptação da economia portuguesa à actual conjuntura, e - sobretudo - à actual estrutura internacional globalizante, dependerá do ritmo com que forem feitas as reformas necessárias, mas encontrará no Euro um amigo, e não um inimigo. Assim saibamos aproveitar a sua ajuda.
R.J. Conceição Nunes
O Euro é a moeda única europeia, que permite que os preços não difiram muito acentuadamente dentro do espaço do Euro, em consequência de perturbações das variações cambiais. O Euro tem, na Europa comunitária, o papel do dólar nos Estados Unidos, onde os estados não têm moeda própria.
O Euro é "governado" pelo Banco Central Europeu, tal como o dólar é gerido pelo Sistema de Reserva Federal. O objectivo da sua actuação é manter estáveis os preços dentro do espaço europeu, fazendo variar a taxa de juro de referência - o preço do dinheiro - ao nível considerado adequado.
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O BCE segue a lógica do Banco Federal Alemão (Bundesbank), cujo principal arquitecto foi o falecido economista Walter Eucken (recentemente homenageado pelo BCE), defensor da chamada "Ordoeconomia" - a economia de mercado livre com um banco central regulador independente.
A opção de pertencermos à União Europeia - ao tempo, Comunidade Económica Europeia - foi tomada em 1977, pelo então Primeiro-Ministro, Dr. Mário Soares. Poderá ter sido determinada principalmente por razões políticas. Era um "seguro político" contra as investidas da esquerda revolucionária verificadas nos três anos anteriores. Para um Primeiro-Ministro socialista nessa época, o "preço a pagar"era a aceitação da base livre-cambista da Comunidade Europeia. Não seria possível governar a economia com planos centrais, à revelia do mercado livre; não haveria mais nacionalizações; os preços teriam de deixar de ser tabelados; não se poderia continuar a subsidiar empresas por razões políticas.
A alternativa seria mantermo-nos apenas na EFTA (onde ainda estão a afastadíssima Islândia, a riquíssima Noruega e a neutralíssima Suíça, com o contrapeso do pequeníssimo Liechtenstein), mas que não nos daria um "seguro político".
Quando o Tratado de Maastricht apontou o caminho para a união monetária, já o mercado único estava implementado (com livre circulação de mercadorias, capitais e serviços) e todos os países tiveram de fazer um esforço de convergência em matéria monetária, com vista à adopção de uma moeda única. O Reino Unido preferiu não vir a fazer parte do novo "clube", e, posteriormente, a Dinamarca e a Suécia adoptaram a mesma solução, cada país pelas suas próprias razões políticas - não económicas. Mas estes países ficaram obrigados a praticar uma política monetária de modo que os preços dentro da União não se afastem significativamente.
Portanto, a manutenção da estabilidade cambial e monetária está hoje adquirida na União Europeia, e a adopção de uma moeda única por um conjunto importante de estados facilitou as transacções dentro do espaço do Eurosistema.
Terá sido o facto de termos passado a usar outras notas que gerou a crise actual? Residirá o problema na estabilidade monetária? É certo que se verificou uma certa "inflação psicológica" aquando da troca das notas, nomeadamente com comportamentos oportunistas nos serviços. Mas o tempo e a concorrência encarregaram-se de a absorver.
A estabilidade monetária e cambial intraeuropeia - antes e depois da troca das notas de Escudos pelas de Euros - fez baixar a inflação e a taxa de juro. Verificaram-se, portanto, efeitos-preço e riqueza que deram, nos primeiros anos, aos portugueses, a sensação de que tinham aumentado de nível de vida e riqueza, pois os salários subiam mais do que os preços e, com o fácil recurso ao crédito, passaram a utilizar casas, automóveis, férias, etc., como se tivessem um nível de vida e de riqueza muito superior. A economia foi empurrada pelo consumo, sustentado pela expansão do crédito e com um efeito perverso no endividamento das famílias. A aquisição de habitação pelos jovens foi mesmo fiscalmente incentivada, o que contribuiu para o aumento do deficit público.
Quando Portugal podia desvalorizar - antes do compromisso de Maastricht - a variação cambial permitia manter a competitividade externa das nossas empresas. Em consequência, as importações encareciam e os preços internos subiam (incluindo a taxa de juro). Os efeitos-preço e rendimento funcionavam ao contrário, o que travava o consumo, equilibrando-o em relação ao nível de riqueza do país. Mas o padrão do nosso desenvolvimento estava "viciado" pela possibilidade de desvalorizar a moeda em tempo de crise. O nosso padrão de desenvolvimento era mantido na base de salários baixos.
Com a adopção do Euro, a subida dos salários, conjugada pela redução da taxa de juro, foi tornando pouco competitivas as indústrias exportadoras, cuja viabilidade dependia de salários baixos. Em dez anos, a têxtil perdeu cem mil empregos, e o desemprego atingiu níveis similares aos dos finais da década de 1970, início de 1980. O Euro é, assim a via para mudarmos de paradigma no campo das exportações, abandonando as indústrias tradicionais ineficientes dentro do novo campo concorrencial. O desemprego terá, assim, e necessariamente que aumentar, até serem eliminadas as empresas ineficientes.
A manutenção de uma certa competitividade externa de parte das nossas indústrias teria requerido a flexibilização do mercado do trabalho e a contenção salarial - tanto do sector privado como do público - a redução do défice público, a passagem para o sector privado de todos os serviços públicos que pudessem ser ministrados por estruturas privadas concorrenciais, e o aumento da produtividade não só das empresas exportadoras, como também das que indirectamente as influenciam: transportes, energia, sistema de justiça, etc.
O Euro obriga os governos a gerirem os recursos públicos com parcimónia, e a fixar uma carga fiscal que favoreça o crescimento económico. Obriga ao emagrecimento do sector público e ao equilíbrio das contas públicas - e a colocar o consumo dentro do nosso real nível de riqueza.
Quem não gosta do Euro e não gosta da União Europeia, pode admitir que a economia portuguesa seja viável fora deste espaço. Quem defende a tese do abandono do Euro é favorável ao encerramento das fronteiras, ao regresso aos direitos protectores, à instalação de empresas que produzam bens de substituição dos produtos importados, com maiores custos e redução do bem-estar dos consumidores. E, sobretudo, o regresso ao modelo dos baixos custos salariais. Teríamos que denunciar os acordos europeus a que estamos vinculados - um quadro que só seria possível com uma alteração política para a extrema-esquerda ou para a extrema-direita.
O nosso futuro padrão de desenvolvimento não corresponderá a montarmos fábricas com produções iguais às da Espanha, da Irlanda ou da Finlândia, mas sim ao aproveitamento das nossas vantagens comparativas, não apenas no espaço do Euro, mas sim a nível global. Corresponderá, portanto, a um novo modelo, que só poderá revelar-se a prazo, visto que as alterações estruturais não são de efeito imediato.
A adaptação da economia portuguesa à actual conjuntura, e - sobretudo - à actual estrutura internacional globalizante, dependerá do ritmo com que forem feitas as reformas necessárias, mas encontrará no Euro um amigo, e não um inimigo. Assim saibamos aproveitar a sua ajuda.
R.J. Conceição Nunes