18.5.04

Cidadania Europeia e Federalismo

Desde que se desfez o trio Kohl/Mitterrand/Delors, ainda não apareceu ninguém que corporize uma "ideia da Europa" e a transforme num projecto mobilizador para os cidadãos europeus. Não existe um conceito de cidadania europeia que se encontre enraízado nas suas diversas culturas e que constitua um factor de identidade comum.

É inevitável (e mesmo frustrante, na perspectiva de um europeu) o contraponto com a sociedade americana. Tal como a europeia, esta é também constituída por um enorme leque de comunidades, com culturas e religiões diferenciadas e até antagónicas. Mas existe algo que unifica todas as comunidades e os 50 Estados que integram a União; algo que é apreendido rapidamente pelos imigrantes que demandam o el dorado e faz com que, passado pouco tempo, todos se considerem americanos; algo que despoletou manifestações impressionantes de unidade, solidariedade e patriotismo por todo o país após os ataques de 11 de Setembro; mais importante do que isso, algo que transmite a todos disposição para lutar em defesa do seu modo de vida. Comparando com a reacção ao 11 de Março madrileno, podemos aferir toda a distância que vai da resistência e capacidade de luta ao medo e capitulação. E se em vez de comboios os alvos tivessem sido a Torre Eiffel, o Big Ben ou o Reichstag, acredito que a reacção não seria muito diferente

A Europa tem sido incapaz de criar um european way of life como aquele que os seus antepassados criaram na América. Falta-nos algo como a Coca-Cola, o McDonald?s, as jeans, a Disney, Hollywood ou o MsWindows que, com toda a sua carga simbólica e possibilidade de massificação, constituem os melhores veículos para exportar (e impôr?) a cultura americana à escala global. O Airbus será o único produto europeu que no futuro se lhes poderá equiparar, mas para já, e ao contrário daqueles, tem saído muito caro ao contribuinte. O vinho do Porto, a Heineken, o Ferrari, o BMW, a fiesta brava ou a gastronomia francesa, independentemente da sua qualidade, que é inegável, serão sempre identificados como produtos regionais e nunca como símbolos do grande espaço europeu.

Òbviamente que a cidadania europeia não se cria por decreto, sendo algo que terá de ser gerado na própria sociedade. Mas não dispensa a existência de líderes políticos voluntaristas, com visão estratégica e capacidade de mobilizar vontades, coisa que a Europa hoje não tem!

Os líderes que temos continuam arreigados a conceitos hoje tão balofos como a "soberania" ou o "interesse nacional". Apesar de desprovidos de qualquer conteúdo, são valores a que o cidadão comum ainda é sensível e constituem uma arma ideológica fácil de brandir e condicionadora da opinião pública. Lembremo-nos, a este propósito, do "papão federalismo", uma criação do Portas "Independentista" e que foi na altura agitado como uma tenebrosa ameaça à soberania das nações - a ameaça era e é real, mas os verdadeiros ameaçados são os pequenos (em sentido pejorativo) poderes. Os verdadeiros interesses em causa nunca são pois nacionais nem soberanos mas, muito prosaicamente, os de grupos de pressão que controlam o poder e das nomenklaturas que o detêm formalmente.

O que verdadeiramente está em causa na reforma das Instituições europeias de que há tanto se fala, é a transferência de uma parte importante dos poderes nacionais (leia-se, dos referidos grupos e nomenklaturas) para organismos da UE. Poder-se-á lògicamente contestar a necessidade de tal transferência: burocratas por burocratas, então antes os actuais que já conhecemos e estão perto de nós do que outros, desconhecidos e longínquos.

O problema deve porém ser posto em termos de níveis de poderes e que poderes para cada nível. E quando falamos de poderes, falamos de Instituições que os detenham e exerçam; e ao nível da União Europeia, falamos de um Governo Federal Europeu que emane de um Parlamento Europeu sufragado, que já existe, mas que deve ter poderes acrescidos; e não será difícil descortinar quais as competências (desejavelmente poucas) do Governo Federal: defesa e segurança, justiça, política de concorrência e política regional, tudo enquadrado nos termos de uma Constituição Europeia que não deve ser a Giscardiana, mas outra feita pelo Parlamento Europeu ao qual devem ser previamente outorgados poderes constituintes pelo eleitorado.

E é na transferência das competências ao nível da política de defesa (o último "bastião" da sagrada soberania que ainda resta, depois de se ter perdido a moeda) que haverá maiores resistências por parte dos Estados membros. A minha dúvida é se, mesmo após o 11 de Setembro e o 11 de Março, as opiniões públicas e os governos terão ficado convencidas que uma estratégia de defesa e de segurança perante um inimigo desconhecido e que vive na clandestinidade, não pode ser feita ao nível da "capela".

E que poder intermédio? Eu tenho uma utopia! Não o Estado-Nação que conhecemos hoje, pesado, adiposo e cada vez mais distante dos cidadãos e que deve ser desmantelado. Idealmente, um Estado-Região, mais leve e fàcilmente controlável, que assumiria uma parte dos poderes daquele e seria constituído a partir das especificidades e identidades culturais de cada região. As fronteiras de hoje, muitas delas criadas artificialmente, deixariam de ter qualquer significado. Teríamos assim um País Basco e uma Catalunha com territórios que hoje estão divididos entre França e Espanha e uma Alsácia que deixaria de ser atravessada a meio pela actual fronteira entre França e Alemanha. Na faixa atlântica da Península, a principal região seria a Portuliza, que se estenderia desde o mar Cantábrico a norte até ao limite de influência do Jornal de Notícias, a sul. Cada Estado elegeria 2 representantes para a Câmara Alta do Parlamento Europeu, independentemente da sua dimensão, tendo aquela poderes deliberativos em tudo o que respeitasse a políticas regionais.

Utópico? Talvez! Mas tal modelo já funciona (e geralmente bem) em vários países, sendo seguramente o mais eficaz na defesa dos interesses das minorias. De qualquer forma, as utopias de hoje podem ser as realidades de amanhã. E quando FCP decidir mudar para a liga espanhola - por razões financeiras, de competitividade e para não mais ser obrigado a jogar no estádio de Oeiras - será dado o primeiro e decisivo passo...