23.8.05

Sobre os media, os blogues, e a ideia de "Quarto" e "Quinto" Poder

[Conforme prometido no post abaixo; este texto é uma adaptação grosseira e apressada de um outro, de maior extensão, razão pela qual peço desde já desculpa se ele não se encaixa totalmente no estilo «blog»; contudo, e como o tema está na ordem do dia, achei ser oportuno «postá-lo»].

Os meios de comunicação social exercem, cada vez mais, e de forma crescente, uma forte influência e até "fascínio" sobre o universo político.

É quase um lugar-comum afirmar-se que os media desempenham um papel fundamental na difusão de informação - e na distribuição de "mensagens" - no nosso ambiente social. Mas certo é que, numa sociedade em mutação acelerada, onde o tempo para reflectir é, cada vez mais, menor, os meios de comunicação transformaram, de uma forma decisiva, a organização da vida social, criando novas formas de acção, de interacção e de exercício de poder.

Televisões, jornais, revistas, rádios, blogues, são estes hoje os meios escolhidos pelas populações para intervir junto do poder político, quer de uma forma activa - pois estes meios permitem aos cidadãos difundir as suas opiniões e ideias - quer de uma forma meramente reactiva - pois a selecção de um determinado jornal, programa televisivo ou blog - reforça a capacidade interventiva do órgão de comunicação respectivo: os "votos monetários", que a doutrina económica tanto gosta de enfatizar, transfiguram-se; a escolha traduz-se numa transferência de poder para o órgão de comunicação respectivo, que passa a poder gerir por sí próprio a rede de significação que representa no espaço público, construída na interacção com os cidadãos que a ele recorrem.

O papel dos media, neste contexto, é essencial, pois permite equilibrar o "jogo de forças" gerado entre o Estado e os Cidadãos; estes últimos, neste quadro, perdem o isolamento e a incapacidade de intervir inerente à existência individual; quanto maior for a rede de significação comum, maior o peso que o indivíduo terá no meio social; maior será a pressão causada sobre o poder político; maior será a capacidade de equilibrar o "jogo de forças" que, necessariamente, se gera nas relações sociais.

A penetração cada vez maior dos media no espaço público, porém, tem gerado, também, alguns efeitos perversos que colocam em risco a realização efectiva dos valores da Democracia e do Estado de Direito.

Por um lado, a linguagem jornalística, construída ao longo de várias décadas, traduz uma visão muito particular da sociedade, condicionada por normas e convenções próprias, funcionando como uma síntese daquilo que são as interacções no seio de uma classe; a linguagem jornalística apresenta, por isso, e necessariamente, uma visão subjectiva da sociedade. Nesse sentido, e nesta linha, o jornalismo (latu sensu considerado) contribuiu para a construção de um modelo de sociedade que, frequentemente, é imposto ao comum dos cidadãos. Existem hoje alguns "valores-notícia" que, mais do que seria desejável, passam pela consagração (e, por vezes, hiperbolização) daquilo que é inesperado, excêntrico, inusual ou negativo.

Por outro lado, a linguagem jornalística é frequentemente produto de um processo de racionalização da evidência, dos factos do quotidiano, que, obviamente, segue regras de "formatação", em que se transformam "factos" em "notícias" ou "mensagens".

Ora, uma certa "processualização" da produção da mensagem conduz com frequência à construção de quadros de referência, do tipo "politicamente correcto" que, ao emergirem do seio da própria entidade que a produz, muitas vezes se afastam dos quadros de referência dos seus destinatários.

O espaço público em que vivemos não dispensa - e bem - a actividade mediática e o seu papel essencial na formação e difusão das diversas opiniões. O peso, contudo, que ela representa nas nossas sociedades obriga-nos a que se procure combater a tendência para uma certa alienação dos media em relação às comunidades em que se inserem: na verdade, frequentemente, a actividade mediática, em vez de funcionar como elo de ligação e difusão de ideias entre os vários agentes sociais, prefere concentrar-se, mais, na formação de uma concepção do mundo, na geração de grandes consensos, que tornam os media apetecíveis aos olhos do poder político, não pelo seu poder de comunicar, de mediar, mas pelo seu poder de manipular e condicionar eleitorados, de veicular uma concepção abrangente e unificada do que é certo ou errado, do que é politicamente válido ou inválido.

Um certo grau de alienação existente nos meios de comunicação ditos "tradicionais" pode ser medido - embora apenas parcialmente e com um peso ainda pouco expressivo - pelo relativo sucesso dos blogues. Por um lado, estes representam uma forma de aceder a uma informação onde a linguagem utilizada não está "normalizada" - no sentido que não está condicionada pelos "frames" redactoriais; por outro lado - e esse é, talvez o aspecto fundamental, existe da parte de quem dinamiza e de quem visita um blog um interesse essencial em comunicar, em interagir em volta da notícia. Muitos dos blogues corporizam a vontade de mediar, no seu estado mais puro - mais agreste, também - mas reflectem o desejo de participar num processo de configuração do espaço público à escala do cidadão. Curioso será constatar que uma parte significativa dos visitantes e dinamizadores da "blogosfera" até são, precisamente, agentes mediáticos, que aqui nos blogues procuram "medir o pulso" aos cidadãos, ou apenas um espaço onde, verdadeiramente, possam interagir libertos de certas amarras.

Acima de tudo, e para concluir, importa reafirmar e revitalizar a vocação de mediação dos órgãos de informação tradicionais, mantendo-os centrados no seu papel de comunicação e interacção social, fazendo votos que estes consigam auto-controlar a tendência que existe para se alienarem desta dimensão para assumirem a função de "Quarto" ou "Quinto Poder", à margem das regras próprias do sistema político formal.

Os blogues, esses, e ao contrário do que é a convicção de alguns, estão por aí e para durar: o tipo de tecnologia que usam, que previsivelmente irá melhorar, a facilidade cada vez maior de acesso à internet, a interactividade que se estabelece entre dinamizadores e leitores, a possibilidade de fazer link para outros comentários e fontes de informação que potenciam a criação de redes de significação bastante fortes (veja-se o que é já hoje a rede informal de blogues de cariz liberal, fortemente interligados), o uso de uma linguagem corrente e livremente formatada, o seu cariz aberto, a sua capacidade de estabelecer o one-to-one são características demasiado fortes para que a blogosfera não se imponha. Os blogues apenas necessitam de tempo para sedimentar o seu espaço próprio, o qual está já em acelerada construção. Da minha parte, não tenho dúvidas que os espaços considerados "virtuais" e as comunidades blogosféricas ligadas em rede - hoje tidas como negligenciáveis e de peso pouco expressivo - irão ocupar, muito em breve, um lugar nobre no espaço público.

Rodrigo Adão da Fonseca