25.8.05

Semitismo e Neoconservadorismo

Escreve o Henrique Raposo, ontem no Acidental, em resposta a um comentário meu:

«Caro Raf,

Em meu entender, exageras um pouco no argumento da ligação entre o movimento neoconservador e Israel. Muitos são judeus? E depois? Mais: não se percebe o neoconservadorismo sem o Excepcionalismo (aliás, a melhor forma de identificar os neocon seria da seguinte forma: "ideólogos do excepcionalismo"). O Excepcionalismo tem séculos; Israel só tem (quase) 60 anos».

Caro Henrique,

Concordo completamente que não é possível perceber o Neoconservadorismo sem conhecer bem aquilo que é o Excepcionalismo. Aliás, a rápida afirmação do pensamento neoconservador passa precisamente por conseguir associar-se (por isso são neo) entre outras, a esta marca secular da sociedade norte-americana. Nem era minha intenção fazer-te um reparo, pois nesta matéria seguramente estás muitíssimo mais à vontade do que eu, que apenas me limito a ser um leigo atento.

O que eu digo é que também não é possível perceber o percurso dos neoconservadores - e, também, aquilo que é parte da sua acção - sem atender às raízes judaicas de alguns dos seus mais importantes representantes.

Basta ver o que motivou a saída de alguns neo-conservadores, nos anos 60, do Partido Democrata, e que mais não foi do que uma forma de se demarcarem das políticas de John Kennedy. Godfrey Hodgson é bem explícito, quando afirma, na sua obra «The World Turned Right Side Up»:

«Neoconservatism is the secular political philosophy that defined the reaction of a group of former liberals to what they felt was Democratic party's policy of appeasement toward the Soviet Union - most especially the USSR's treatment of its jewish population and its relations with the Arab World».

Do mesmo modo, não é possível abstrair que a publicação que deu consistência ao movimento neoconservador, nos anos sessenta - a Commentary - é publicada pelo «The American Jewish Committee».

Dai que o pensamento político neoconservador, dadas estas raízes judaicas, seja amplamente influenciado pelo Holocausto, que representando um genocídio sem paralelo, matou centenas de milhares de judeus com ligações familiares a muitos dos actuais políticos norte-americanos (como é o caso de Paul Wolfowitz, neoconservador, antigo Subsecretário de Estado da Defesa); Richard Perle, um dos mais influentes pensadores neoconservadores , em entrevista à BBC (ao jornalista Tim Sebastian, a 18 de Julho de 2002), deixou isso bem claro, quando afirma que «o momento que define a nossa história é, por certo, o Holocausto».

Outro traço comum ao pensamento neoconservador - a defesa da guerra preventiva - está também intimamente ligada ao Holocausto, apecto que David Perle igualmente deixou bem claro na mesma entrevista:

«[o Holocausto] tratou-se da destruição, do genocídio, de todo um povo, e do fracasso de responder a tempo a uma ameaça. Não queremos que ocorra de novo. Se temos a capacidade para deter os regimes totalitários, fá-lo-emos, porque se falhamos, os resultados podem ser catastróficos».

Por isso, e não negando a importância do excepcionalismo no movimento neoconservador, fico com a sensação que esta ideia estará a ser instrumentalizada - como todas as outras - ao serviço de uma finalidade última, sempre presente, de defesa e protecção do povo judaico. Veja-se por exemplo, a influência decisiva que o Holocausto tem na adesão dos neoconservadores às ideias de Hobbes e de Maquiavel, o que de alguma forma explica as observações e conclusões que fazem sobre a natureza humana, de índole empirista e dedutiva, o pessimismo antropológico (desculpa, eu sei que a expresão não te agrada, mas é a usada!), a presença marcante da tensão e do conflito, a apologia do medo, e o facto de se doutrinarem politicamente para o plano da acção.

Noto, finalmente, que esta análise que faço diz respeito apenas ao posicionamento do pensamento neoconservador no campo da política externa, e não é extensível, sem mais, a outras abordagens que estes fazem, nomeadamente em matéria moral ou na forma como transportam o fenómeno religioso para o espaço público.

Desculpa por apenas produzir uma explicação algo telegráfica, mas foi a possível dentro das minhas limitações de conhecimento e de tempo.

Um abraço,
Rodrigo Adão da Fonseca