26.4.04

DECÁLOGO DA DIREITA CIVILIZADA


(ao Daniel Oliveira, sem ressentimentos)

Primeiro Mandamento: A Direita Civilizada sabe que ser de direita é um fardo pesado, uma vergonha a esconder, uma tragédia a ocultar.

Segundo Mandamento: a Direita Civilizada sabe que a Direita é, com a sua honrosa excepção, estúpida por definição e bronca por natureza. Não tem sensibilidade, nem cultura. Não sabe de História, nem de Filosofia. Não lê poesia, nem escreve romances. Não é educada e nos salões bem pensantes fica a um canto da sala onde é mirada com comiseração. No fim de contas, ela admira o Doutor Louçã e almeja um dia poder igualar-se-lhe.

Terceiro Mandamento: a Direita Civilizada aprendeu que a essência do mal, de todo o mal, está no capitalismo desumanizado e vil, que julga que tudo na vida se mede pelo lucro e proveito. Por isso, repousa a sua esperança no Estado e nos Homens superiores que o dirigem, a quem confia o governo das suas almas e o destino dos seus corpos. E espera que a Santa Segurança Social a todos abençoe.

Quarto Mandamento: a Direita Civilizada não pode tolerar a burrice simiesca de Bush e o imperialismo sionista. Tem de abrir e alargar os seus horizontes e tentar perceber (quem sabe dialogar) todas as partes dos problemas, nomeadamente as exploradas e oprimidas, como os guerrilheiros do Hamaas, os traumatizados da al’Quaeda, os nacionalistas da ETA. E compreender. Compreender as razões profundas que os levam a actos tão radicais, mas compreensíveis. Por isso, e por isso apenas, é que é possível tentar compreendê-los.

Quinto Mandamento: a Direita Civilizada não gosta de excessos, nem de extremismos. Por isso condena o capitalismo selvagem, por ser selvagem, certamente, ela que é tão civilizada e polida. Condena os individualismos excessivos e o abismo a que a propriedade privada, se não for refreada por um poder público forte, pode conduzir uma sociedade, um povo, uma nação.

Sexto Mandamento: a Direita Civilizada ama a liberdade. Profundamente. Como ninguém. Bem, como ninguém, talvez não, porque sabe que a Esquerda ama com mais paixão. Para a defender, para a manter pura e incólume, há que proibir: que a maldigam, que a maltratem, que a contestem. Que abusem dela! Que a usem fora da justa medida. Amar a liberdade é obedecer-lhe!

Sétimo Mandamento: são intocáveis os grandes valores da nossa contemporaneidade: a democracia representativa, a assembleia democrática, o método de Hondt, o rotativismo do bloco central, o Senhor Presidente da República, o mais alto (e o mais baixo) magistrado da Nação, o Estado Social, o 25 de Abril, o 1º de Maio, o 25 de Dezembro e o dia de Carnaval. Quem se meter com os nossos valores, leva!

Oitavo Mandamento: Tudo foi casto e puro na democracia portuguesa. Que é jovem, não se esqueçam. Por isso, às vezes, faz asneiras, como a nossa juventude, tão belamente mantida, até aos quarenta, nas jotas partidárias, que nos dão magníficos patriotas e governantes, gente de escol, de elite, a quem dá gosto transmitir rousseaunianamente a soberania. Os erros de percurso, a descolonização, as nacionalizações, o ataque às liberdades, fez parte de um complexo processo histórico. Tinha que ser assim. Marx explica-o como ninguém.

Nono Mandamento: A União Soviética nunca existiu! Nunca teve interesses, nem se movimentou para os alcançar. Por consequência, Portugal nunca esteve na sua mira. Tudo isso faz parte das invenções delirantes do imperialismo americano-sionista para nos alienar. Ah!, já agora, não esqueçam que Fidel é um velhinho simpático, um bocadinho gá-gá (ou Che-Che), coitadinho, e com a mania das fardas, mas que, no fundo no fundo, encarna o superior combate pelo socialismo romântico. «Hasta la vista, Comandante!»

Décimo Mandamento: A Direita Civilizada não é ingrata. Todos os dias sabe que deve ao Estado a sua existência, pelo que o exalta e defende. Não contesta a potestas de quem manda, o imperium de quem governa. Sabe que esteja quem estiver no poder, num sistema democrático, tão democrático quanto o nosso, o fará sempre a Bem da Nação!