14.4.04

A DESIGUALDADE LEGAL

Um proprietário de uma habitação tem mais de 65 anos.
O seu apartamento está arrendado vai para 25 anos, a renda actual é de 25 euros e o seu inquilino tem também mais de 65 anos.
O proprietário sofreu na sua vida de trabalho um grave acidente que o impossibilitou de trabalhar e encontra-se reformado, recebendo pensão por invalidez. O proprietário não tem outra habitação.

De acordo com a lei actual, (RAU, artº 107, nº1), a denúncia do contrato de arrendamento é proibida se o inquilino tiver mais de 65 anos, se se encontrar numa situação de reforma por invalidez absoluta, ou não beneficiando de pensão de invalidez, sofra incapacidade total para o trabalho.

O Provedor de Justiça invocou a inconstitucionalidade daquela norma, uma vez que a excepção consagrada apenas se aplicava aos inquilinos e nunca aos proprietários.

Ou seja, o inquilino, naquelas circunstâncias ficava protegido, não sendo possível a denúncia do contrato. Mas o proprietário, em igualdade de circunstâncias e necessitando da SUA casa para viver nunca poderia invocar essa situação.


O Tribunal Constitucional, chamado a apreciar a questão, resolveu por 10 votos favoráveis e 3 contra que a norma está de acordo com a Constituição.
Tendo sido ouvido o Primeiro-ministro, este também se pronunciou pela legalidade da norma, concluindo que a “A medida encontra-se materialmente fundada sob o ponto de vista da solidariedade, da proporcionalidade, da justiça e da paz social.” Significativo.

A argumentação do TC, baseada em acordão anteriores, e citações de autores diversos, baseia-se sobretudo no seguinte argumento: “(...) encontrava justificação na necessidade de proteger a estabilidade habitacional do inquilino. Esta assumiria maior relevo quando o inquilino tivesse já 65 anos ou mais, por se tornar, então, naturalmente mais difícil arranjar outra casa, e serem maiores as dificuldades de ambientação a outro local. Apesar de o senhorio, que pretende denunciar o contrato por ter necessidade da casa para sua habitação, se encontrar em situação – no que respeita à necessidade da casa e à idade – idêntica à do inquilino, o Tribunal considerou que a mudança de vida que, nessa idade, importa uma mudança de casa, é algo que o senhorio poderá, em geral, suportar sem dificuldades de maior, por ser ele próprio a tomar a iniciativa da mudança.”

Temos portanto que o cerne da questão é o “incómodo” causado. Preferindo-se, sem justificação, preservar o “sossego” do inquilino, em detrimento do direito do proprietário.
Como exemplo “argumentativo”, são acrescentadas citações de um qualquer jurista. Melhor, qualquer, não, é o actual presidente do STJ: “(...) a única "igualdade” entre a situação do senhorio que pretenda denunciar o contrato e a do inquilino “será a idade ou a invalidez ou a incapacidade” (...)“o inquilino quando arrenda casa está confiante na renovação do arrendamento, não está nos seus planos de vida arranjar outra residência”, ao passo que o senhorio, “quando concedeu o gozo da casa, já sabia de antemão que não a poderia ir habitar, por ter criado com o inquilino uma relação duradoura (...)”

Em suma, o jurista alega que o proprietário, ao adquirir uma habitação e colocando-a no mercado arrendamento, não foi diligente na sua autonomia, pois que bem deveria saber que nunca mais poderia gozar a sua propriedade. Por seu turno, o inquilino, qual necessitado de protecção, ao invés de tentar adquirir uma habitação para seu gozo ou pagar a contrapestração devida, bem sabia que o Estado o iria proteger para o resto da sua vida contra os intentos malévolos do proprietário. Logo, pode-se concluir, dentro desta linha de pensamento, que o arrendamento confere, de facto e de direito, um verdadeiro direito real, oponível a tudo e a todos, incluindo ao proprietário. E que o direito de propriedade é relativo, sendo que toda a propriedade tem uma função social regulada pelo Estado, estando ao serviço de políticas sociais.

O juiz Carlos Pamplona de Oliveira, na sua declaração de vencido, resume, e bem, a essência da questão: “Entendo que a norma é materialmente inconstitucional por violação do disposto nos artigos 9º alínea d), 18º n.º 2, 63º, n.ºs 2 e 3, 65º 71º e 72º n.º2 da Constituição, pois visa deslocar para o senhorio um ónus que corresponde a um dever que incumbe exclusivamente ao Estado suportar.”