22.4.04

OS ENCAPOTADOS

A revisão constitucional clandestina que hoje vai ser aprovada vai introduzir importantes modificações na vida de todos os portugueses:
- O “Ministro da República” nos Açores e Madeira passará a denominar-se “Representante da República”. Eu pensava que já existia um, de nome Jorge Sampaio, mas eles é que sabem....;
- A Alta Autoridade para a Comunicação Social (nem alta, nem autoridade, diga-se), é extinta e será criada uma outra qualquer organização corporativa/administrativa. Nunca entendi porque tal “orgão” deveria constar da CRP. A única razão para tal é o facto de o Estado, indevidamente, ser proprietário de orgãos de informação. Mas uma lei normal regula o assunto, não é preciso que conste da CRP.
- Será introduzido o princípio da não discriminação em razão da orientação sexual. Para quê mais um artigozinho, pergunta-se, se na CRP diz “todos os cidadãos são iguais, não podendo ser descriminados em razão de....”? É a veia positivista no seu pior.
- “Portugal pode exercer "em comum, em cooperação ou pelas instituições da União, dos poderes necessários à construção e aprofundamento da União Europeia”. O que é a construção europeia’ O que é o seu aprofundamento?
- Passa a ser possível estabelecer limites à renovação sucessiva de mandatos dos titulares de cargos políticos e executivos. Não seria mais simples dizer genericamente que qualquer titular de orgãos políticos não poderia ter mais do que 2 mandatos consecutivos, com excepção dos deputados? Sempre se evitava o ridículo de tal “lei ordinária” vir a estabelecer que tal medida apenas vinculará para “futuro”.
- Por outro lado o Estado passará a ter de “favorecer, através da concentração das várias políticas sectoriais, a conciliação da actividade com a vida familiar”. Isso quer dizer o quê, concretamente?
- O Estado passará também a estabelecer “garantias efectivas contra a obtenção e utilização abusivas, ou contrárias à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias”. Também não acrescenta um chavo que seja aos princípios gerais que decorrem já da CRP.

Enfim, uma revisão de burocratas que se entretiveram a discutir nada e coisa nenhuma.

Um único ponto é relevante (e verdadeira razão de ser desta revisão): “as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”.
Que os Tratados tenham vigência em Portugal decorre já da própria CRP.
Agora que as normas das suas instituições também tenham directamente vigência já é um bocadinho estranho. Nem nos Estados Federais tal se passa. Pelo menos desta forma genérica.
Pergunto: O Conselho de Ministro da UE e a Comissão, na sua estrutura e no seu modo de funcionamento, respeitam os princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático? Julgo que não.