Deparei com uma tese de Mestrado, recentemente publicada entre nós (Vitor Bento, Almedina, 2004) que transversalmente aborda a questão dos Estados Nacionais e a Economia Global. A dado passo, citando Michael OAKESHOTT (Moralidade e Governo na Europa Moderna, 1993), refere-se incisivamente o seguinte – que merece uma certa discussão, sobretudo, na sequência da excelente posta do Rui A. (e para além da respectiva soberba ironia), infra (O Decálogo da Direita Civilizada):
“(...) na sequência da desintegração da ordem político-social da Idade Média, os homens libertaram-se das subordinações feudais, ou comunitárias, características da ordem medieval e foram confrontados com os desafios da sua individualidade. (...) Emergiram duas moralidades em confronto. De um lado, a “moralidade da individualidade”, sustentada pelos homens que se procuram afirmar como indivíduos, reclamando soberania moral sobre si mesmos e comprometendo-se a viver uma vida governada pelas suas próprias escolhas, assumindo os correspondentes riscos. Do outro lado, a “moralidade do colectivismo”, sustentada pelos homens que não conseguiram tornar-se indivíduos, sem vontade ou capacidade de realizar escolhas, e de assumir ao riscos da individualidade, e que reagiram a essa incapacidade com inveja, ciúme e ressentimento, procurando no “colectivo” protector, a imposição a todos da sua própria incapacidade. “O homem frustrado pelo falhanço em viver de acordo com os apelos do seu tempo tornou-se um homem determinado a fazer o mundo à sua imagem...Tornou-se o “anti-indivíduo” militante.
A primeira moralidade, contemplando uma íntima conexão entre o usufruto da individualidade e a instituição da propriedade privada, permitiu encarar politicamente as sociedades humanas, não como comunidades dominadoras, mas como associações de indivíduos que escolhem, eles próprios, o que fazer e acreditar. (...) Por sua vez, o adepto da “moralidade do colectivismo” procurou que o governo o protegesse da necessidade de ser indivíduo, instituindo uma moralidade apropriada ao seu estado e condição. Esta moralidade (...) tendeu sempre a considerar a propriedade privada como um mal, pois que sendo radicalmente igualitária, vê com desconfiança qualquer tipo de privacidade. A privacidade deverá, como tal, ser abolida, permitindo que dentro de uma “colectividade” todos sejam unidades iguais e anónimas. Os governos deverão proporcionar, pois, assistência, protecção e liderança a estes homens que, por incapacidade ou falta de disposição, esperam que lhes digam o que fazer e em que acreditar. A realização destes desejos requer governos que sejam não só soberanos, como poderosos.
(...) Algumas das mais notáveis criações políticas da Europa moderna foram concebidas para fazer escolhas em vez daqueles que eram incapazes, ou não estavam dispostos, de a as fazer eles próprios: o «príncipe perfeito» do séc. XVI, o déspota iluminado do séc. XVIII, o «ditador» do nosso tempo (...)”