4.9.04

Amarga Ironia

Mais um artigo de Helena Matos a ler com atenção:

[P]oucas vezes como nesta semana em que as horas, os dias e as imagens foram marcados pelos terroristas, poucas vezes, repito, foi tão visível o rasto da forma parcial como a imprensa europeia se refere ao terrorismo e aos terroristas.

O caso Chesnot, Malbruno e Battisti. Por uma amarga ironia, antes do rapto de Christian Chesnot e Georges Malbruno, a imprensa francesa tinha descoberto uma nova causa. Falo do italiano Cesare Battisti, terrorista nos anos 70, acusado de quatro mortes, que vivia em França ao abrigo dum acordo feito, em 1985, por Mitterrand com vários terroristas italianos ou, parafraseando a imprensa francesa, ao abrigo de um acordo feito pelo então presidente da república francesa com italianos perseguidos no seu país por actos de terrorismo. A segunda definição embora queira dizer o mesmo comporta um juízo de valor absolutamente diferente: nela Battisti passa de terrorista responsável por quatro mortes, a um perseguido por actos de terrorismo. Logo a sua condição de perseguido pela justiça sobrepõe-se moralmente à de assassino. Esta separação entre o terrorista e os seus actos é uma forma de desresponsabilização que nada justifica mas de que os terroristas, ao contrário dos outros assassinos, têm sido largamente beneficiários.

Battisti desapareceu a tempo de evitar ser extraditado para Itália e, no final de Agosto, multiplicavam-se as declarações sobre o seu estado deprimido, a injustiça que representava fazê-lo voltar a uma Itália em que Berlusconi é primeiro-ministro, os laços que o prendem à família que constituíra em França... Os amigos franceses de Battisti nem questionavam o absurdo facto de um seu presidente da República ter considerado - na década de oitenta do século XX note-se! - que devia dar asilo a vários terroristas a braços com a justiça italiana, sendo a Itália, um país vizinho da França, democrático e com uma justiça que tem marcado a sua independência muitas vezes à custa da própria vida dos seus agentes. Contudo temos de admitir que o perdão imediato pelos actos do passado ao primeiro baixar de armas é um dos vários privilégios dos terroristas e ditadores que se reivindicam de esquerda ou que se apresentam como tal.