O Gabriel (Palhaçadas 4) e o LR (Renda Social, Penúria Habitacional) escreveram, aqui, no Blasfémias, dois excelentes post's que tiveram o condão de, entre outras coisas, suscitarem reacções e comentários que levaram a discussão para o "Porto - cidade", mais concretamente, para a Baixa do Porto.
TAF, no A Baixa do Porto, sistematizou também alguns dos seus argumentos e avançou com outras pistas de discussão.
É interessante notar o rumo que, a partir dos referidos post's que tinham como objectivo primeiro, respectivamente, o problema do pequeno comércio e o arrendamento urbano (questão das rendas), a discussão levou: o Porto!
É claro que tais temáticas, as suas injustiças e os equívocos que, em torno delas, se criaram, são particularmente sentidas na Baixa do Porto. Como também na Baixa de Lisboa. Talvez, em parte significativa das Baixas de algumas das nossas cidades.
No entanto, para quem sente o Porto, as coisas passam-se um pouco como naquele conto de Mário de Carvalho (A Contaminação, in Porto.Ficção, Ed. ASA, Porto 2001/Porto, 2001) em que a personagem principal, rondando a estação de Campanhã e dizendo que estava no Porto à força, não conseguia, contudo, partir.... De uma forma ou outra, por mais voltas que se dêem, não partimos.
Ora, ousando avaliar os outros por mim, tenho a sensação de que, para os portuenses da minha geração (e das gerações antecedentes), hoje em dia, a Baixa é sobretudo uma recordação de infância. Pelo menos, a Baixa que se discute (mesmo politicamente), a Baixa que todos têm como referência para afirmarem, peremptória e consensualmente, que, agora, esse coração da cidade está velho e decadente. Aquela Baixa que todos querem recuperar, ou melhor, reencontrar, fora do tempo, in nillo tempore, é uma Baixa tão longuínqua, como mítica. Desligamo-nos da Baixa, de alguma forma perdemo-la e, como tantas vezes acontece na vida, hoje sentimos saudades daquilo em que nem reparávamos quando ainda a tínhamos connosco.
Não sei até que ponto corremos o risco de também acabarmos todos a cantar melancolicamente "ó tempo, volta para trás!"
Enfim, na minha infância, antes......era outra, a Baixa. Também era outra, a cidade.
Ainda era um Porto diferente que, por isso mesmo, usava e vivia também diferentemente a sua Baixa. Talvez o tão falado declínio da Baixa mais não seja do que o reflexo do declínio da cidade. Ou a sua origem... arrastando, de certa forma, a cidade para o tal tempo que não pode (nem deve) voltar para trás. Talvez com o Porto que temos, com o País que temos, seja impossível a Baixa ser diferente!
A Baixa e não só...já que cada vez mais, há mais Porto fora dele, nos seus concelhos limítrofes. O Porto sempre foi uma atitude e um denominador comum cultural, mais do que uma zona geográfica delimitada. Por isso, o Porto também é (sobretudo?) a sua área metropolitana.
Pensar e discutir a Baixa do Porto é discutir essa área cultural; essa área Metropolitana.
Também por isso - os tempos são outros!- não podemos correr o risco de demandarmos em busca de um tempo perdido, propondo e impondo soluções desligadas do concreto contexto actual - ou seja, "pseudo-soluções" que tentem fazer da Baixa aquilo que, agora, ela nunca conseguirá ser.
Comecemos por nos perguntar, calma e friamente, para que serve (que utilidade pode ter para o Porto) a Baixa e procuremos facilitar as soluções naturais, em conformidade. Não laboremos no equívoco de querer fazer dela uma ilusão, aquilo que já não existe e que, inevitavelmente, não servirá ninguém. (cont. oportunamente)