16.9.04

A FÁBULA DA DONA DE CASA (NO TEMPO EM QUE AS DONAS DE CASA FALAVAM)

Era uma vez, há muito, muito tempo, um país pequenino, pobrezinho, à beira-mar plantado, onde vivia um povo apático, humilde, mas feliz.

Nessa terra abençoada, em tempos antigos, governara um homem austero e severo, que, durante quarenta longos anos, tratara as suas gentes como um pai de familia educa os seus filhos pequenos: com disciplina e autoridade, fazendo por eles o que eles, pequenitos e irresponsávies, não conseguiam nem sabia fazer.
Um dia, como se queixassem os infelizes da apagada e vil tristeza em que viviam, o patriarca contou-lhes uma história: a fábula da dona de casa. E explicou-lhes que, na alegre humildade em que viviam, numa terra de parcos recursos e escassos talentos, cada um tinha de governar-se com o que tem, poupar o que recebe, e não gastar, não gastar nunca por nunca, nem mais um cêntimo do que recebe pelo trabalho honrado. Era o que faziam as donas de casa honestas e responsáveis, no seu afã de dia-a-dia, que tantas alegrias viviam por ver o marido feliz com a mesa posta e abastada, e os pequenitos a crescer na alegria modesta do lar.

O tempo passou e, com ele, veio o progresso, a civilização, a prosperidade. O país, cada vez mais pequenito, continuava à beira-mar plantado, pobrezinho e humilde, na «cauda do mundo», diziam, mas honrado e feliz.
Uma noite tranquila, um homem austero e severo, que cuidava com esmero e devoção das pobres gentes que aí viviam, falou. E disse que o país era como uma casa de família, pobre mas honrada, sem posses que lhe permitissem gastar para além dos seus parcos e infímos recursos. Como faz uma dona-de-casa honesta e responsável, disse. E que maior alegria pode haver, do que ver uma mulher assim cuidar dos seus, vê-los felizes e contentes, o marido alimentado, os pequenitos a crescer em tamanho, educação e moral? Mas, para todos crescerem, disse, é preciso poupar e dar. Dar a quem, por cada um de nós e por nós todos, trata do que nos faz falta.

Nem todas as donas de casa compreenderam o que disse. Algumas reclamavam, as ingratas, que o que têm não chega ao fim do mês. Que os filhos têm uma educação frágil, que o marido se queixa que quanto mais trabalha menos poupa, e muitas delas estão em casa sem saber o que fazer à vida, que, pobre dela, a vida, está cara e não se consegue ganhar. Se damos a quem trata de nós mais do que metade do que ganhamos, pensava uma, porque não tratam de nós com outro esmero e cuidado? Afinal, pagamos o quê?
Cansada de tantas dúvidas e hesitações, farta de poupar o que não tinha, uma dona de casa entrou, julgava ela, em depressão. Pediu uma consulta no serviço público de saúde, onde, disseram-lhe, lá para 2007 será atendida.