20.6.05

Governo de esquerda viola direito à greve III

Despacho Conjunto dos Ministros do Trabalho e da Segurança Social e da Educação:

Nos termos dos artigos 598º e 599º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº99/2003, de 27 de Agosto, determina-se:
1. Os serviços mínimos necessários à satisfação da necessidade social impreterível que é a realização dos Exames Nacionais do Ensino Secundário são os seguintes:
a) Assegurar a abertura da escola, a recepção e guarda dos enunciados e das provas de exame em condições de segurança e confidencialidade;
b) Assegurar a vigilância rigorosa da realização dos exames sendo, para tal, necessária a presença de dois vigilantes por sala;


O João Miranda, pegando na brilhante posta da Filipa Pinto, já aqui chamou a atenção para a não integração destes "serviços" em nenhuma das alíneas do n.º 2 do artigo 598.º do Código do Trabalho (CT). Ao contrário do que alguns leitores escreveram nos comentários, o CT aplica-se às greves na função pública, já que o próprio Código revogou a anterior Lei da Greve (Lei 65/77, de 26 de Agosto). Ora, independentemente da opção pelo significado mais literal ou mais conforme ao espírito do advérbio "nomeadamente" no citado artigo, o Governo poderá também ter violado o artigo 599.º do CT.
A definição de serviços mínimos, quando aplicável, deve efectuar-se da seguinte forma:
  1. por instrumento colectivo de regulamentação do trabalho (que não há) (599.º, n.º 1);
  2. por acordo entre os representantes dos trabalhadores e da entidade empregadora, sob mediação do Ministério do Trabalho; (599.º, n.º 2)
  3. por despacho conjunto, na falta de acordo até ao 3.º dia posterior ao pré-aviso de greve, dos Ministros do Trabalho e da tutela (no caso, da Educação, art. 599.º, n.º 3).

O problema é que o despacho conjunto [hipótese 3] não é admitido se se tratar de serviços de administração directa do Estado, como parece ser o caso. Aqui, tal despacho é substituído por decisão de um colégio de árbitros, escolhidos de entre os constantes de listas que deveriam ter sido elaboradas pela "Comissão Permanente de Concertação Social" até 1 de Fevereiro de 2004. Num artigo interessante, em que o legislador antecipou a possibilidade de o mesmo não ser cumprido (570.º), prevê-se que não estando as listas prontas dentro do prazo, a competência para a sua elaboração passe para o Conselho Económico e Social, que teria um mês para as concluir. Nenhuma das entidades elaborou tais listas até hoje.
Diz o Governo, para justificar o recurso ao "despacho", que não houve acordo e que as listas de árbitros não estão ainda concluídas.
Todavia, em lado nenhum do CT se atribui ao Governo competência para definir por despacho os serviços mínimos nos casos de serviços sob administração directa do Estado ou de empresa do sector empresarial do Estado. Não vale a pena, por agora, perder mais tempo com as velhas questões de interpretação da Lei e da integração das lacunas. Mas a verdade o despacho em causa, independentemente da justeza ou da oportunidade da greve, está preso à legalidade por um fio de cabelo.