"The argument for it rests as much on the desire of individuals to protect themselves against the consequences of the extreme misery of their fellows as on any wish to force individuals to provide more effectively for their own needs."
F.A. Hayek. The Constitution of Liberty.
A pensão de reforma
1. O fim da actividade profissional acarretou, durante muito tempo, sérias dificuldades para as pessoas cujo rendimento dependia do seu trabalho. Esta terá sido uma razão fundamental para a implementação de sistemas de segurança social, que permitem que as pessoas que deixam de trabalhar, em virtude, usualmente, da idade avançada, possam continuar a auferir rendimentos, vulgarmente designados por "pensão de reforma".
2. Os sistemas de segurança social poderiam funcionar tendo como princípio a ideia segundo a qual a parte do vencimento que era retirada à pessoa e "guardada" pelo sistema de segurança social serviria de base para calcular o valor a ser recebido por essa pessoa após a cessação da actividade profissional. Esse princípio (princípio da capitalização) é compatível com uma visão liberal da sociedade.
3. Uma situação comum é a de o sistema de segurança social estar predominantemente entregue ao Estado. Tal facto acarreta que, com frequência, os valores recebidos pelos beneficiários se encontrem na dependência de decisões políticas, por vezes visando apenas a popularidade em actos eleitorais subsequentes, não estando a pensão de reforma submetida a qualquer tipo de esquema de capitalização, podendo ser utilizado o sistema de segurança social como um instrumento para promover a redistribuição.
4. O aumento da esperança de vida, a frequente falta de correspondência entre os montantes pagos ao sistema de segurança social e dele recebidos e a eventual afectação de verbas, por parte da entidade que gere o sistema (por hipótese, o Estado) para fins diversos dos teoricamente previstos, constituem um conjunto de factores que podem colocar em sério risco qualquer sistema de segurança social.
5. Torna-se, assim, do mais elementar bom senso, não só adequar a idade da reforma à capacidade previsível do sistema para pagar as reformas, mas também encontrar processos de induzir nas pessoas o desejo de continuarem activas, em contraposição ao desejo, até certo ponto natural, de parar de trabalhar.
6. Fazer com que os rendimentos das pessoas sejam inferiores, após a reforma, do que na situação de actividade profissional, será o processo mais simples, salvo melhor opinião, de induzir nas pessoas o desejo atrás referido como preferível, sob o ponto de vista, bem entendido, do sistema de segurança social: o desejo de se reformar o mais tarde possível e não o mais cedo possível. Este princípio é, de igual forma, provavelmente indispensável para assegurar a sustentabilidade financeira do sistema.
7. Para que tal seja possível, necessário será que as pessoas "reformadas" parem de trabalhar, ou, noutra perspectiva, que as pessoas activas profissionalmente não recebam a pensão de reforma (podendo, contudo, manter o direito à mesma).
A pseudo-reforma
8. Será totalmente contra-producente uma situação na qual as pessoas se possam "reformar", não para suspender a sua actividade profissional, mas para acrescentar uma renda aos seus rendimentos do trabalho, renda essa designada por "pensão de reforma", mas que poderia ser mais bem qualificada como "renda de pseudo- (ou falsa) reforma".
9. Exceptuam-se a estas considerações os sistemas de segurança social nos quais os rendimentos das pessoas dependem directamente do dinheiro aforrado pela própria pessoa, sendo esta livre, nesse caso, de iniciar a sua reforma quando e como quiser.
10. Pelo contrário, nos sistemas baseados no Estado e no seu respectivo orçamento, não se compreende que o normativo legal possa impulsionar as pessoas a reformarem-se tão cedo quanto possível, de forma a poder, nomeadamente, ir trabalhar noutro local, ou até no mesmo.
11. Imaginemos, a título de exemplo, um funcionário do Estado que se reforma numa idade em que ainda se encontra em perfeitas condições para trabalhar; num segundo tempo, é empregado por uma entidade que recebe, directa ou indirectamente, do erário público, as verbas para pagar os seus funcionários (entidades estatais ou privadas, para o caso não faz diferença); podemos então encontrar uma pessoa, em perfeitas condições para trabalhar, que efectivamente está a trabalhar, e que recebe, na prática, dois salários. Num caso extremo, como o atrás referido, os dois salários são, directa ou indirectamente, pagos pela mesma entidade ? os contribuintes.
12. "Pseudo Reformados" poderá ser o nome para simbolizar este eventual tipo de situação profissional. Será esta situação justa? Não será, para os contribuintes que pagam a factura. De igual forma, não se conhece nenhuma filosofia política que defenda este estado de coisas.
13. Serão de criticar as pessoas que se colocam neste tipo de situação? Poderá entender-se que não, uma vez que se limitam a utilizar em seu favor um normativo legal em vigor, do qual não são directamente responsáveis.
14. Qual será, então, a solução? Definir que um reformado é alguém que deixou de trabalhar (parece óbvio, mas não é). Sem prejuízo da existência de possíveis excepções, a regra poderá ser que, quem recebe reforma do Estado deve deixar de a receber se estiver profissionalmente activo.
O caso português
15. A aplicação destas ideias a Portugal coloca alguns problemas. Desde logo, muitas pessoas com salários muito baixos auferem pensões de reforma ainda mais baixas. Nesta situação, não será de bom senso condenar a pessoa à miséria, impedindo-a de tentar, se possível, obter algum tipo de rendimento adicional. Em consequência, não deverão ser colocados entraves à acumulação de pensão de reforma e rendimentos adicionais do trabalho, até um certo limite.
16. Por outro lado, devido, de igual forma, ao nível de salários, é relativamente comum encontrar pessoas que, ao longo da vida, mantiveram duas ou mais fontes de rendimentos. Será justo, neste caso, permitir a acumulação de rendimentos já auferidos previamente à reforma com a pensão de reforma.
17. Como nota final, diríamos que dado o número de pessoas, designadamente funcionários públicos, que se reformaram nos últimos anos em idades ainda perfeitamente adequadas para o trabalho, serão de contemplar medidas para estimular o re-ingresso voluntário de reformados a actividades profissionais, sem perda de regalias aquando de um ulterior regresso à situação de reforma, encontrando medidas equilibradas e flexíveis que promovam esse re-ingresso, o qual poderia ser benéfico para a saúde da Segurança social.
José Pedro Lopes Nunes
Ver notas sobre o caso francês em
F.A. Hayek. The Constitution of Liberty.
A pensão de reforma
1. O fim da actividade profissional acarretou, durante muito tempo, sérias dificuldades para as pessoas cujo rendimento dependia do seu trabalho. Esta terá sido uma razão fundamental para a implementação de sistemas de segurança social, que permitem que as pessoas que deixam de trabalhar, em virtude, usualmente, da idade avançada, possam continuar a auferir rendimentos, vulgarmente designados por "pensão de reforma".
2. Os sistemas de segurança social poderiam funcionar tendo como princípio a ideia segundo a qual a parte do vencimento que era retirada à pessoa e "guardada" pelo sistema de segurança social serviria de base para calcular o valor a ser recebido por essa pessoa após a cessação da actividade profissional. Esse princípio (princípio da capitalização) é compatível com uma visão liberal da sociedade.
3. Uma situação comum é a de o sistema de segurança social estar predominantemente entregue ao Estado. Tal facto acarreta que, com frequência, os valores recebidos pelos beneficiários se encontrem na dependência de decisões políticas, por vezes visando apenas a popularidade em actos eleitorais subsequentes, não estando a pensão de reforma submetida a qualquer tipo de esquema de capitalização, podendo ser utilizado o sistema de segurança social como um instrumento para promover a redistribuição.
4. O aumento da esperança de vida, a frequente falta de correspondência entre os montantes pagos ao sistema de segurança social e dele recebidos e a eventual afectação de verbas, por parte da entidade que gere o sistema (por hipótese, o Estado) para fins diversos dos teoricamente previstos, constituem um conjunto de factores que podem colocar em sério risco qualquer sistema de segurança social.
5. Torna-se, assim, do mais elementar bom senso, não só adequar a idade da reforma à capacidade previsível do sistema para pagar as reformas, mas também encontrar processos de induzir nas pessoas o desejo de continuarem activas, em contraposição ao desejo, até certo ponto natural, de parar de trabalhar.
6. Fazer com que os rendimentos das pessoas sejam inferiores, após a reforma, do que na situação de actividade profissional, será o processo mais simples, salvo melhor opinião, de induzir nas pessoas o desejo atrás referido como preferível, sob o ponto de vista, bem entendido, do sistema de segurança social: o desejo de se reformar o mais tarde possível e não o mais cedo possível. Este princípio é, de igual forma, provavelmente indispensável para assegurar a sustentabilidade financeira do sistema.
7. Para que tal seja possível, necessário será que as pessoas "reformadas" parem de trabalhar, ou, noutra perspectiva, que as pessoas activas profissionalmente não recebam a pensão de reforma (podendo, contudo, manter o direito à mesma).
A pseudo-reforma
8. Será totalmente contra-producente uma situação na qual as pessoas se possam "reformar", não para suspender a sua actividade profissional, mas para acrescentar uma renda aos seus rendimentos do trabalho, renda essa designada por "pensão de reforma", mas que poderia ser mais bem qualificada como "renda de pseudo- (ou falsa) reforma".
9. Exceptuam-se a estas considerações os sistemas de segurança social nos quais os rendimentos das pessoas dependem directamente do dinheiro aforrado pela própria pessoa, sendo esta livre, nesse caso, de iniciar a sua reforma quando e como quiser.
10. Pelo contrário, nos sistemas baseados no Estado e no seu respectivo orçamento, não se compreende que o normativo legal possa impulsionar as pessoas a reformarem-se tão cedo quanto possível, de forma a poder, nomeadamente, ir trabalhar noutro local, ou até no mesmo.
11. Imaginemos, a título de exemplo, um funcionário do Estado que se reforma numa idade em que ainda se encontra em perfeitas condições para trabalhar; num segundo tempo, é empregado por uma entidade que recebe, directa ou indirectamente, do erário público, as verbas para pagar os seus funcionários (entidades estatais ou privadas, para o caso não faz diferença); podemos então encontrar uma pessoa, em perfeitas condições para trabalhar, que efectivamente está a trabalhar, e que recebe, na prática, dois salários. Num caso extremo, como o atrás referido, os dois salários são, directa ou indirectamente, pagos pela mesma entidade ? os contribuintes.
12. "Pseudo Reformados" poderá ser o nome para simbolizar este eventual tipo de situação profissional. Será esta situação justa? Não será, para os contribuintes que pagam a factura. De igual forma, não se conhece nenhuma filosofia política que defenda este estado de coisas.
13. Serão de criticar as pessoas que se colocam neste tipo de situação? Poderá entender-se que não, uma vez que se limitam a utilizar em seu favor um normativo legal em vigor, do qual não são directamente responsáveis.
14. Qual será, então, a solução? Definir que um reformado é alguém que deixou de trabalhar (parece óbvio, mas não é). Sem prejuízo da existência de possíveis excepções, a regra poderá ser que, quem recebe reforma do Estado deve deixar de a receber se estiver profissionalmente activo.
O caso português
15. A aplicação destas ideias a Portugal coloca alguns problemas. Desde logo, muitas pessoas com salários muito baixos auferem pensões de reforma ainda mais baixas. Nesta situação, não será de bom senso condenar a pessoa à miséria, impedindo-a de tentar, se possível, obter algum tipo de rendimento adicional. Em consequência, não deverão ser colocados entraves à acumulação de pensão de reforma e rendimentos adicionais do trabalho, até um certo limite.
16. Por outro lado, devido, de igual forma, ao nível de salários, é relativamente comum encontrar pessoas que, ao longo da vida, mantiveram duas ou mais fontes de rendimentos. Será justo, neste caso, permitir a acumulação de rendimentos já auferidos previamente à reforma com a pensão de reforma.
17. Como nota final, diríamos que dado o número de pessoas, designadamente funcionários públicos, que se reformaram nos últimos anos em idades ainda perfeitamente adequadas para o trabalho, serão de contemplar medidas para estimular o re-ingresso voluntário de reformados a actividades profissionais, sem perda de regalias aquando de um ulterior regresso à situação de reforma, encontrando medidas equilibradas e flexíveis que promovam esse re-ingresso, o qual poderia ser benéfico para a saúde da Segurança social.
José Pedro Lopes Nunes
Ver notas sobre o caso francês em
Ver ainda, em caso de interesse, artigo sobre tema conexo publicado no "Domingo Liberal" em 13 de Fevereiro de 2005.