Concordo com o João Miranda: claro que Freitas do Amaral sabe muito bem o que diz!
A "constituição" europeia está morta só não está ainda enterrada e já só resta pensar na sua superação.
Depois de dois "Não" rotundos e outros a ameaçar acontecer, com o Reino Unido e a República Checa a decidirem não realizar referendos nem prosseguirem processos de ratificação, devemo-nos perguntar porque é que tantos políticos em Portugal (sobretudo o poder que está, mas não só) insistem obstinadamente em marcar um referendo em Outubro para aquele nado-morto pseudo-constitucional. Há três respostas possíveis:
- Muitos dos que querem o referendo nos idos de Outubro pretendem o descrédito total do processo de integração europeia. A ideia de pôr os portugueses a votar numa "coisa" que já não existe será ridicularizada por muitos dos que, agora, dizem ser a favor da sua realização. O próximo Outubro poderá vir a ser o momento ideal para "desmontar" junto de largos sectores da opinião pública as fragilidades, tornadas óbvias, da construção europeia - sobretudo por parte daqueles que dirão sempre "Não" a tudo o que faça lembrar Europa ou europeísmo, seja uma "constituição" (esta ou outra), um Tratado ou outro instrumento de integração europeia qualquer e independentemente do seu conteúdo.
- Para outros, isto é uma questão de fé. Após uma adesão bastante mais emocional do que racional, adoptaram a pose de apóstolos (talvez mais talibans) do europeísmo e, para eles, tudo o que venha da UE está abrangido por uma vasta pré-compreensão que se reconduz a uma aceitação cega, automática e insindicável. E terá de ser levado até ao fim, custe o que custar, doa a quem doer. É autismo? É caricato? É irreal? Nada disso importa - na conhecida lógica de Engels "se os factos não estão de acordo com as nossas ideias tanto pior para a realidade".
- Para o poder político nacional a questão é diferente: sustentarão até ao fim a imprescindibilidade do referendo apenas para fazerem valer os seus créditos de fiáveis militantes do establishment europeu nas negociações que se avizinham com a UE. Apoiarão a visão de que a defunta "constituição" pode ainda ser reanimada não por crença, nem sequer por engano, mas por puro graxismo. Querem somente suscitar simpatia dos "meninos mais grandes" no esforço simplório de que as suas tropelias orçamentais, os múltiplos erros governamentais da última década e a sua péssima aplicação dos fundos comunitários, sejam esquecidos. Berram pelo referendo ao novo Evangelho "constitucional" enquanto estendem a mão suplicante para a míngua de mais alguns fasing outs que lhes possam render mais uns euros de uma coesão que nunca chegará desta forma e que apenas permite que as coisas continuem na mesma. Ou seja, os políticos do poder (o que está e o que esteve) não querem o referendo por razões europeias mas precisamente pelo seu contrário.
No meio disto há muita gente de boa fé. E, também, muitos iludidos em ambos os lados. Mas, normalmente, todos esses só contam para o papel de figurantes.