Caro António Pires de Lima,
O meu amigo RAF, num oportuno «post» aqui editado sobre a TV-Globo e o «Adam Anacleto Kristol Monteiro» (só mesmo Deus e o RAF sabem o que isto possa ser), chamou-me à atenção para um seu comentário a um texto que aqui editei intitulado «O Regresso Liberal do Dr. Paulo Portas».
Nesse breve reparo que me endereçou, era-me recomendada a leitura dos seus artigos e entrevistas publicados na imprensa nacional nos últimos anos. Julgo não errar se disser que a intenção do António Pires de Lima consistia em demonstrar-me que foi sempre liberal e que o seu recente empenho na promoção do liberalismo entre a direita portuguesa seria genuíno e não um simples tacticismo político-partidário.
Eu quero aqui desde já afirmar que em momento algum estiveram em causa convicções pessoais. Do Dr. António Pires de Lima ou seja de quem for. Elas são, de resto, imperscrutáveis, sabendo cada um das suas e Deus (novamente) das de todos nós. Por isso, não me competia, nem me seria legítimo, opinar sobre as convicções pessoais do Dr. Pires de Lima, políticas ou outras.
O mesmo já não diria quanto à intervenção política e às responsabilidades partidárias que assumiu publicamente nos últimos anos, sobretudo as de dirigente do CDS. Contudo, apesar de sempre se poder afirmar que o CDS a que pertenceu não foi assumidamente um partido liberal, que fez mesmo questão de se distanciar das políticas liberais, quer no discurso (como abundantemente tem sido aqui realçado), quer nas políticas dos governos que integrou, também não é por aí que julgo devermos encetar este diálogo.
Para mim, o que vale a pena questionar nesta recente onda de conversões democratas-cristãs ao liberalismo é se elas são autênticas ou se não passam de simples expedientes para tentar encontrar um palco político adequado ao regresso ao(s) poder(es).
Na primeira hipótese, há que perguntar porque razão esta direita, há tão pouco tempo no governo de Portugal, não promoveu, quando lá esteve, pelo menos algumas medidas de índole liberal e anti-estatistas? Quando o Dr. Miguel Frasquilho se demitiu do governo Barroso, por considerar atraiçoada a promessa eleitoral do «choque fiscal», porque não se enfrentou o PSD com essa responsabilidade? Quando não se cumpriu a promessa eleitoral de pôr termo às Fundações políticas que o PS criara no governo anterior, porque razão o CDS não levantou a sua voz? E quando se tomaram decisões no sentido de aumentar a despesa pública com encargos desnecessários para o Estado, porque motivo não se opôs o CDS? É que, Dr. Pires de Lima, uma das coisas mais importantes e sãs numa consciência liberal é a cultura de exigência para com aqueles que nos governam, aqueles a quem temporariamente alienámos a nossa quota parte de soberania, que nos devem prestar explicações sobre o modo como a utilizaram. Estas estão, por enquanto, por dar e se a direita a que pertence se quer refundar no pensamento liberal, talvez fosse da maior conveniência começar por aí.
A segunda hipótese é, confesso, francamente aterradora. Porque se a intenção é apenas a de encontrar uma plataforma com possibilidades de sucesso eleitoral, agora que toda a gente se queixa do Estado, dos impostos e da despesa pública, isso somente contribuirá para pôr em causa boas ideias e bons princípios para, uma vez conquistado o poder, os voltar a depositar na gaveta, tal qual fez o Dr. Mário Soares ao socialismo nos idos de 1977. E aí, Dr. Pires de Lima, o que importa é saber até que ponto vai o empenho público dos protagonistas destas iniciativas no sentido de explicarem os equívocos do passado e de nos dizerem como querem agir politicamente no futuro, sobretudo, se novamente regressarem, repito, regressarem, ao governo de Portugal. Nesse caso, se o compromisso for genuíno, tanto faz que no patrocínio destas iniciativas estejam somente «dois militantes do CDS», três, quatro ou cinco. Como anteriormente escrevi, «um santo peca sete vezes ao dia; o que interessa é que se arrependa». Não pode haver aí qualquer complexo de pertencer ao CDS ou a outro qualquer partido da direita do regime. Basta apenas sinceridade nas convicções e um firme propósito de honrar a palavra dada aos eleitores, e fazê-lo efectivamente ou, se isso se tornar impossível, assumir as consequências políticas.
Esta questão - a incapacidade da direita nacional cumprir uma agenda liberal, seja no governo, seja na oposição - levar-nos-ia, de resto, bem longe. Ao sistema eleitoral, aos privilégios da classe política, à estatização e à governamentalização da sociedade portuguesa, por exemplo. Penso mesmo que se trata da pedra de toque de tudo isto. Por nós, aqui no Blasfémias, tencionamos começar a debater estes e outros assuntos fundamentais à direita liberal portuguesa. Brevemente, anunciaremos como e quando, embora desde já adiante que o faremos sempre em tom bastante informal e descomprometido, como é timbre de quem está à margem da sociedade política. Considere-se, caro António Pires de Lima, com estima e consideração, convidado para comparecer. Seria com particular empenho que o escutaríamos, a si e a todos quantos se querem comprometer num futuro de liberdade e responsabilidade civil para Portugal e para os portugueses.
Cumprimenta-o amigavelmente,
Rui de Albuquerque
P.S.: Hesitei bastante em dirigir-lhe esta «carta aberta». Não gosto da forma, embora considere que, dada a natureza pública do meu anterior «post» e dos comentários que lhe fez, não seria possível outra. Se lhe quiser aduzir quaisquer notas, em forma de simples comentários ou de resposta, disponha do espaço do Blasfémias como bem entender, que fica desde já à sua inteira disposição.