1.7.05

O REGRESSO LIBERAL DO DR. PAULO PORTAS



Nos primórdios da década de 80, numa entrevista concedida ao «Figaro Magazine» e a Guy Sorman, Hayek proclamava com alguma ironia e outra tanta dose de mágoa que, quando ele era novo e liberal, o liberalismo era uma coisa fora de moda e tida como ultrapassada, e que, agora, nesse tempo, já velho e cada vez mais liberal, o liberalismo parecia estar de regresso à ribalta.

Este episódio veio-me à cabeça a pretexto desta súbita conversão de políticos de direita ao liberalismo, a que temos assistido nos tempos mais recentes em Portugal. Ele são círculos liberais, projectos liberais, fundações liberais, jornais e revistas liberais, e até, pasme-se!, já se proclama a urgência de «revoluções liberais». É que o espanto resulta de nem o liberalismo ser coisa recente em Portugal, nem os novos arautos da causa serem propriamente debutantes da política. Na verdade, este surto liberal tem surgido em círculos e com pessoas muito próximas do ex-líder do CDS, o Dr. Paulo Portas. E, se em abono da verdade há que dizer que se nenhuma dessas personalidades falou em nome do antigo líder, não é crível que elas estejam dissociadas do que ele pensa ou pretende fazer do seu inevitável regresso político.

O que é curioso nisto, é que quase todos pertenceram a um ciclo vida daquele partido que fez questão de ostracizar o liberalismo, em nome da doutrina social da Igreja e da pureza da democracia-cristã. Em mais de sete anos de responsabilidades políticas, primeiro, no CDS e, mais tarde, no governo do país, não lhes ouvimos nunca uma referência ao liberalismo ou um apelo aos seus princípios fundamentais. Pelo contrário, o Dr. Paulo Portas fez questão de afirmar no Congresso em que abandonou a liderança, que a derrota eleitoral dos partidos da coligação governamental era a prova de que as políticas liberais não tinham futuro em Portugal. Durante toda a sua liderança sempre contrapôs a «justiça social» da democracia-cristã, à «fria desumanidade» do «radicalismo liberal». Não temos também presente que nenhum porta-voz do partido tenha, ao tempo, manifestado qualquer afinidade com o liberalismo clássico, ou censurasse o governo por estar a aumentar o Estado, em vez de o fazer diminuir.

Seja como for, e apesar de já aqui, em devido tempo, termos previsto esta conversão apaixonada ao liberalismo da democracia-cristã nacional, não nos custa aceitar que, como se diz por esses sectores, «um santo peca sete vezes ao dia; o que importa é que se arrependa». Ou seja: se, efectivamente, se trata de finalmente reconhecer que um governo de direita deve praticar políticas liberais e de desmantelamento do Estado dito «social», e que um partido de direita, em vez de se esgotar no discurso justicialista da defesa dos pobrezinhos e dos descamisados, como o fez o CDS destes últimos anos, se deve virar para a defesa da emancipação da sociedade civil face ao Estado, aí a conversa pode ter algum interesse. Se se trata apenas de uma tentativa de criar um novo espaço político que permita suprir a falta de «palco» provocada pela perda de controlo do CDS, acalentando a esperança de, com ele, conseguir expressão eleitoral que permita o regresso ao governo e ao orçamento de Estado para júbilo e regalo dos «boys», aí tenham paciência, mas já foram suficientes os anos dos governos da coligação.

Contudo, o fogo que por ora se acende é forçosamente fátuo. Há-de ser necessário o Dr. Paulo Portas, cedo ou tarde, descer a terreiro, para dizer o que quer e ao que efectivamente vem.