Quando é que um candidato, politicamente experiente e inteligente, começa a perder a sua razão de ser?
No momento em que acredita nas atoardas encomendadas à imprensa de serviço e assenta a sua campanha eleitoral nessa realidade virtual.
A relação da comunicação social portuense com Rui Rio foi uma mescla de equívocos e de demonstrações de má-fé. Na própria semana em que tomou posse Rui Rio foi desmanchado, vilipendiado, julgado e sentenciado pelos comentadores de serviço que tão bem tinham sido domesticados por Fernando Gomes. A crise do Plano de Pormenor das Antas acirrou ainda mais os ódios latentes entre o poder que era e o que queria ser, tornando claro que a habitualmente insípida comunicação social portuense era um dos maiores obstáculos a qualquer ensaio de mudança qualitativa na região.
Nunca mais houve descanso neste combate sem quartel. Tudo o que o executivo camarário fazia ou tentava fazer era automaticamente atacado na imprensa, com destaque para a aleivosidade mal contida do Público-Local Porto. Todos os defeitos eram apontados, todas as falhas evidenciadas, tudo era mau, horrendo e grotesco, após a derrota dos socialistas.
Cedo, no entanto, os poderes mediáticos locais elegeram outro inimigo preferencial: o Vice-Presidente Paulo Morais.
Percebe-se porquê - Paulo Morais foi a personificação daquilo que Rui Rio representou na última campanha eleitoral: coragem, dinamismo e separação higiénica face aos interesses estabelecidos à volta do município portuense. Primeiro no pelouro da Habitação Social, onde conseguiu refazer alguma dignidade e qualidade de vida nos bairros sociais do Porto que estavam completamente abandonados pelo executivo anterior. Lançou, ainda, o programa "Porto Feliz" o primeiro projecto no país com cabeça, tronco e membros, que tentou resolver o problema dos arrumadores - que na cidade do Porto eram cerca de mil - que, para além da incomodidade que provocam, constituem um gravíssimo problema de saúde pública e de sensação de insegurança. Depois, apenas no último ano, no pelouro do urbanismo Paulo Morais tentou pôr na ordem uma área com excessiva má fama, burocratizada, habituada a uma acção circular fechada.
No tempo de Ricardo Figueiredo os construtores, através da imprensa local, queixavam-se «que os projectos não andavam». Agora, com Paulo Morais, os lamentos não são bem estes - os «projectos» andam, mas a lei é aplicada inapelavelmente, donde grande parte destes são objecto de indeferimento. Logo, a dócil comunicação social portuense brada que as «expectativas» dos construtores não estão a ser «respeitadas» e treme, por simpática antecipação, pelas centenas de processos que irão atormentar financeiramente a câmara. Na verdade, até agora nada aconteceu.
Evidentemente, que a coerência de Paulo Morais com o programa que Rui Rio protagonizou há 4 anos custou-lhe muitos inimigos: os que tinham casa social sem o merecerem; os traficantes de droga que viram fechar os seus "escritórios" situados nos bairros sociais onde não viviam e que viram a sua fiel clientela ficar esparsa e a ser tratada; os pequenos títeres do município habituados a tudo dificultarem para, depois do cumprimento de um preço, tudo poder ser "facilitado"; os construtores, socialisticamente acostumados a tudo conseguirem em troca de favores; a máquina do seu próprio partido, receptáculo ideal das queixas dos construtores/financiadores.
De todos eles a comunicação social local foi porta-voz sem qualquer pudor. Nos rankings da imprensa, Paulo Morais desce. Nos artigos de opinião é atacado. Nas "notícias" é posto em dúvida. As vozes dos seus detractores são amplificadas. Membros do PSD, sob anonimato, pedem a sua substituição por alguém «mais atento aos interesses do município», leia-se mais maleável à vontade dos construtores.
Foi aqui que Francisco Assis caiu no seu maior erro - até agora, a sua campanha eleitoral tem sido uma redundância do que foi publicado na imprensa local, particularmente no que incide na acção de Paulo Morais. Espantosamente, Assis acreditou na realidade virtual que as páginas dos jornais reflectiam. Num executivo cheio de fraquezas patentes (vejam-se aqueles risíveis vereadores do CDS-PP), escolheu atacar Paulo Morais, claramente o membro mais activo e lúcido da equipa camarária. Andou de bairro em bairro, de uma "questão" urbanística para outra, a criticar o melhor que tinha sido feito nestes últimos 3 anos e meio, a repetir pateticamente a prosa dos comentadores do Público-Local Porto e a fazer inconscientemente o jogo de alguns dos mais execráveis interesses da cidade (inclusivamente, os que estão representados em certo aparelho laranja).
Esta estratégia teve a sua consequência directa nos resultados das últimas sondagens. Se Assis começar a sentir a cidade como deve ser, se atacar a actual câmara pelo que esta não fez em vez de o fazer pelo que fez de melhor, se deixar de dar o ar de que pretende um regresso ao passado, ainda poderá ter algumas hipóteses. Tal como já escrevi, nas últimas autárquicas, a 3 meses de distância Rui Rio tinha precisamente a actual desvantagem de Assis. E, então, todos diziam que não havia nada a fazer...