No jornal Público de hoje (link não disponível, página 11), o Professor Cabral de Moncada publica um excelente artigo a que chama «O tão incompreendido e maltratado liberalismo».
O Professor Cabral de Moncada, com a clareza que caracteriza a sua forma de expor, recoloca o liberalismo para lá daquilo que é a percepção comum - que o liberalismo é uma corrente «económica», apenas preocupado com as questões do «mercado» - reafirmando o seu plano político e ético, que o distingue dos conservadorismos e das diversas configurações totalitárias.
«O Liberalismo não é a ausência de valores, tudo reduzindo à utilidade nem é o reino exclusivo do mercado». Cabral de Moncada afirma a tolerância como valor moral, que aceita a diferença e que compreende que esta atitude é um pressuposto da liberdade, que conduz ao desenvolvimento económico, certamente, mas também ao cultural e social.
Cabral de Moncada defende ainda o papel do pensamento liberal numa sociedade que se quer desenvolvida e plural:
«Numa sociedade plural como a de hoje o pluralismo gerou a inevitável ruptura com a sociedade e a moral tradicionais baseadas na hierarquia e na unicidade dos valores (...). É por isso que a moral liberal adequada aos nossos dias não pode deixar de ser pós-tradicional, ao contrário do que sucedia anteriormente quando a conjuntura social era outra. Fazer perceber isto aos conservadores é impossível. Para o liberalismo os valores não preexistem ao ambiente social. Este é que os gera a partir de um mínimo de regras de conduta de aceitação geral».
Cabral de Moncada explica que o realismo inspira o liberalismo, o que não significa que este se torne amorfo no plano moral, mas apenas minimalista na definição dos valores no espaço público:
«O liberalismo não é, portanto, ausente no plano moral nem sequer agnóstico. Não impõe é um conjunto de valores hierarquizados, ou seja, renuncia hoje a um modelo político e ético global para a sociedade. Compreende-a e aceita-a como ela é hoje ou seja, como um conjunto de estruturas relativamente independentes sem grande continuidade de sentido e sem denominadores comuns ideológicos ou morais, marcada por contradições e fracturas. A ética social e a vida política são assim fragmentárias e dispersas. A compreensão e aceitação desta realidade nada mais é do que o liberalismo político e moral de hoje».
Cabral de Moncada critica ainda as correntes ideológicas «prêt a porter», da direita à esquerda, que se arrogam da capacidade de explicar todos os fenómenos sociais, concluindo pela afirmação do liberalismo «político e moral», como uma «atitude»:
«(...) uma atitude racional na esteira do que de melhor nos legou a modernidade, dúvida metódica perante os lugares-comuns ideológicos, construção racional das coisas a partir de postulados críticos e evidentes, renúncia a totalitarismos explicativos e legitimatórios (...)».
O artigo do Professor Cabral de Moncada é de leitura obrigatória para quem se interessa por estas questões, e quer compreender porque razão, aqui no Blasfémias (e nos blogues de inspiração liberal com maior consistência), defendemos com frequência que, antes de mais, o liberalismo representa uma forma de estar, mais do que uma ideologia, de onde partimos para tentar compreender os fenómenos sociais, nas suas múltiplas dimensões, sem contudo cair no relativismo moral ou nas soluções fechadas que as correntes «pronto a pensar» nos oferecem.
O artigo é ainda um alento para quem procura afirmar um liberalismo com valores, e não se limita a utilizá-lo para «desconstruir» a sociedade algo decadente em que vivemos.
Hoje valeu a pena comprar o Público.
Rodrigo Adão da Fonseca