O relatório de 2005 do «Human Development Report», hoje divulgado, e da responsabilidade das Nações Unidas, de onde constam alguns índices sobre o desenvolvimento humano, apresenta resultados bastante curiosos. O capítulo Human Development Indicators tem particular interesse, pois não há nada como a frieza dos números.
Não querendo maçar ninguém com estatísticas, penso contudo que faz sentido recuperar alguns dos indicadores para o Blasfémias, sobretudo aqueles que podem permitir acabar com certos preconceitos ideológicos na forma como olhamos os EUA.
É curioso ver que, por exemplo, na Saúde, nos EUA, o sector público consome 6,6% do PIB. Em Portugal, por seu lado, o sector público consome, deixem ver bem, 6,6% do PIB?! Sim, meus caros, em 2003 os EUA e Portugal afectaram, ao nível da Saúde, para o sector público, a mesma percentagem do PIB. A diferença entre Portugal e os EUA, neste campo, é que do outro lado do Atlântico o sector privado consumiu 8% do PIB, enquanto em Portugal essa percentagem se cifrou nos 2,7%. Contas feitas, cada americano gastou, em média 5,274 dólares com a sua Saúde, contra os 1,702 dólares dos portugueses.
No que diz respeito à Educação, o ensino público nos EUA consumiu na mesma data 5,7% do PIB. Em Portugal, vamos ver, 5,8%. Nos EUA, a Educação representa 17,1% do Orçamento, em Portugal, 12,7% do Orçamento. Estamos ela por ela, pelos menos ao nível dos gastos públicos, claro!
Se há algo onde os portugueses batem aos pontos os americanos é no número de telemóveis por cada 1.000 habitantes: 898, contra os 546 dos EUA. Portugal não forneceu o número de utilizadores com acesso à Internet, que nos EUA ascendem a 556 por cada 1.000 habitantes. Logo, mais acessos à Internet que Telemóveis... número de patentes por milhão de habitantes - não, é melhor não divulgar este número, de contrário ainda nos atiram com um novo Plano Tecnológico para recuperar o atraso- Royalties por pessoa, 167,2 dólares contra 3,5 dólares, shiu, não digam nada, retorno de I&D, não, é melhor não.
O PIB per capita nos EUA em 2003 foi de 37,648 dólares, em Portugal, ora bem, 14,161 dólares.
Pois, «mas na América uns comem tudo e outros não comem nada», vão responder os nossos leitores atentos Caramelo e Viana. Poupem-se, leiam tudo até ao fim...
Mas, mas, então como é que, não, devo estar a ler mal! página 270, indicador 15, inequidade no rendimento ou no consumo (é como quem diz, ver se o Sebastião come mesmo tudo e não deixa nada): a população que se situa no último patamar de rendimento (10% mais pobres) nos EUA dispõe de 1,9% do rendimento total, em Portugal, dispõe de 2,0% do rendimento total, ora, como nos EUA o PIB per capita é 2,7 vezes maior, isto significa que, em termos relativos, os nossos pobres são tão pobres como nos EUA, mas em termos absolutos, são muitissimo mais pobres!? Não pode ser! Mas, e ainda por cima o Estado nos EUA gasta a mesma percentagem do PIB que em Portugal na Saúde e na Educação, estou baralhado, e os privados lá também gastam imenso em Educação e Saúde, e existem muito mais bolsas, bem, deixa mas é ver este indicador... no escalão dos 20% mais pobres, nos EUA, ficam com 5,4% do PIB, e em Portugal, deixa lá ver, 5,8%, não está mau, ora multiplica por 2,7 vezes, esquece... vamos mas é ver os ricos, esses gulosos, os 20% mais ricos ficam, nos EUA, com 45,8% do rendimento, e em Portugal, deixa ver, 45,9%?!? E os 10% mais ricos? Nos EUA, 29,9% do rendimento, em Portugal, 29,8%?! Bem, isto em termos agregados significa o quê? Que Portugal tem um nível de desigualdade semelhante aos EUA (40,8 contra os 38,5 no indice Gini). Sim, em termos relativos, mas com uma ligeira diferença: o PIB per capita nos EUA é quase o triplo...
Pois...
Os EUA apresentam alguns indicadores vergonhosos, ao nível do crime e do ambiente, mas no que diz respeito aos assuntos que andaram na «ordem do dia» na última semana nos media nacionais, penso que os números falam mais alto: é bem pior ser pobre em Portugal que nos EUA: a distribuição da riqueza é semelhante, com a diferença que o PIB per capita é quase três vezes superior; o Estado gasta com Saúde e Educação o mesmo que em Portugal, com a diferença que existem ainda muitos pobres que beneficiam das redes de solidariedade privada (a filantropia nos EUA move valores astronómicos) e bolsas de estudo que dão acesso a centenas de universidades não públicas de grande qualidade.
O mito que existe uma América perdida, terceiro-mundista, serve só para acalmar (algumas) consciências.
Conselho útil: e que tal se cuidássemos mas é de nós?
Rodrigo Adão da Fonseca
PS. Para não deprimir a pátria, que precisa de «Confiança», não fiz qualquer comparação com os indicadores da vizinha Espanha, ou com a role model, Irlanda?