19.12.06

poder judicial


Num Estado ditatorial, o poder judicial é o mais fácil de organizar. O ditador sabe que tem de controlar os tribunais porque é por aí que elimina uma grande parte da oposição política. O poder judicial torna-se, então, uma ramo da administração pública e os juízes um corpo burocrático que aplica mecanicamente as leis.###

Pelo contrário, num Estado democrático, de entre os três poderes soberanos do Estado - o legislativo, o judicial e o executivo - o poder judicial é o mais delicado e o mais difícil de instituir, provavelmente porque é o mais importante de todos os poderes. Trata-se do poder que é instituido para proteger os cidadãos contra os abusos dos outros poderes, em particular do poder executivo.

A crise da justiça em Portugal é, em parte, a consequência de o poder judicial no país ser ainda herdeiro, na sua organização e na sua mentalidade, do poder judicial do Estado Novo. As reformas de que ele carece são várias, na sua organização e na atitude cultural dos seus agentes. Eu gostaria aqui de tratar uma delas - o orgão de governância dos juizes que, em Portugal, é o Conselho Superior da Magistratura (CSM).

Nos termos da Constituição, os juizes exercem a sua actividade em nome dos cidadãos (povo - é a expressão usada na Constituição), e apropriadamente assim num regime democrático. Porém, exercendo a sua actividade em nome dos cidadãos, em nenhum momento os juizes prestam contas aos cidadãos - ou aos representantes que os cidadãos tenham designado expressamente para esse efeito - da actividade que exercem em seu nome.

O CSM é constituido por dezassete membros: o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que preside ao CSM, dois vogais nomeados pelo Presidente da República, sete vogais eleitos pela Assembleia da República e sete juizes eleitos pelos seus pares. Como os Presidentes da República em Portugal têm seguido a prática de, entre os seus dois nomeados, incluirem sempre um juiz, o resultado é que o CSM é composto maioritariamente por juizes ( nove em dezassete membros) conferindo-lhe uma carácter predominantemente corporativo.

Daqui resulta que os juízes em Portugal - os quais exercem o seu poder em nome dos cidadãos, como é próprio de uma democracia - acabam a prestar contas da sua actividade, não aos cidadãos - ou aos representantes que estes tenham eleito expressamente para esse fim -, mas, em primeiro lugar, a si próprios. E, em segundo lugar, acabam a prestar contas e a submeter-se ao controlo dos poderes executivo e legislativo - que é para isso que estão lá os sete deputados designados pela Assembleia da República -, que são precisamente os poderes que, numa sociedade democrática, incumbiria ao poder judicial controlar.

Não é, por isso, surpreendente que a justiça portuguesa não funcione. Uma justiça que tenha como seu orgão máximo um orgão assim, com esta composição, não pode funcionar nem em Portugal nem em qualquer outro país democrático. Por isso, a primeira reforma que sugiro não pode, agora, parecer senão óbvia: os membros do CSM têm de ser pessoas eleitas pelos cidadãos.

Não é importante entrar aqui nos detalhes dessa eleição, excepto para enunciar os seus princípios gerais. A eleição dos membros do CSM, que poderia ter lugar ao mesmo tempo das eleições legislativas, seria feita através de candidaturas individuais e livres, entre todos os cidadãos cumprindo certos requisitos (v.g., idade mínima).