10.1.07

A ETA mais uma vez...

O último atentado em Espanha evidenciou as contradições desse processo que começou por ser apresentado simplesmente como uma trégua, passou rapidamente a processo de paz e não se sabe agora o que vai ser.
Desde o início desta trégua que a ETA deixou claro que as suas reivindicações passavam não apenas por aquilo que hoje corresponde à comunidade basca mas sim a Euskal Herria - o que implica território da comunidade de Navarra e da França. Jamais, antes ou depois da trégua, a ETA manifestou qualquer intenção de pedir desculpa pelas centenas de mortos e atentados que causou e muito menos abdicou de conservar os seus arsenais. Antes pelo contrário, declarou-se sempre vitoriosa, continuou a roubar armas e explosivos, a praticar extorsão e a manter muito activos os grupos de jovens que praticam a violência de rua. Na conferência de imprensa que deu após o atentado de Barajas, Arnaldo Otegi, o porta-voz da ETA/Batasuna, responsabilizou o governo espanhol pelo atentado e acusa esse mesmo governo de não ter feito «qualquer gesto pela paz». Como é possível que, em Espanha, já nem causem forte indignação declarações deste teor? A título de curiosidade, registe-se que se os termos usados por Jorge Coelho na 'Quadratura do Círculo' para classificar as declarações de Otegi fossem expressos em Espanha os sectores zapateristas do PSOE classificá-lo-iam imediatamente como 'facha' e proporiam que fosse para o PP ou quiçá para a Falange.###
Por outro lado, que gesto mais queria Otegi? Sabe-se que se estava a preparar a transferência dos presos da ETA para o País Basco. A polícia espanhola chegou a avisar etarras de que iam ser detidos em França. Exerceram-se pressões sobre os juízes para que estes percebessem que os homens que julgavam por terrorismo eram agora os interlocutores da paz. Zapatero já nem se referia aos atentados da ETA sequer como atentados mas sim como «trágicos acidentes mortais» e o ministro Rubalcalba, dias antes das bombas explodirem em Barajas, ao ser confrontado com a descoberta de mais um «zulo» (esconderijo) da ETA declarou que não se tratava de um esconderijo mas apenas de um «local para guardar coisas»... Perante tudo isto não é claro a que falta de cedências e gestos por parte do governo de Zapatero se está a referir Otegi.
O problema de Zapatero não foi ter falhado num processo negocial com vista ao fim do terrorismo em Espanha. Outros primeiros-ministros o tentaram antes dele e também falharam. Mas nenhum deles tinha confundido paz com rendição, terroristas com democratas e armas com votos. Zapatero não falhou nas negociações com os terroristas. Falhou com os democratas. E isso é que é imperdoável. Tanto mais que ele vai tentar de novo e agora vai tentar fazer o gesto. O tal gesto que Otegi diz que faltou desta vez.

Tendo escrito isto para o PÚBLICO onde foi publicado no passado Sábado já sabia que não tardariam a aparecer quer as teses sobre a 'ETA boa e a ETA má' ou as negociações com a 'ETA errada' (Angel Luis Calle no EXPRESSO) ou as tentativas de isentar Zapatero de responsabilidades.Zapatero tem em Portugal alguns dos seus mais entusiastas simpatizantes de que o editorial de hoje de Eduardo Damaso no DN é um bom exemplo. Escreve Eduardo Dâmaso:

«Zapatero não fez melhor nem pior do que Felipe González ou Aznar. Sobre o primeiro tem a vantagem de não se ter metido numa aventura de terrorismo de Estado. Sobre o segundo, a de não ter enganado os espanhóis criando a ilusão de que é possível vencer uma organização como a ETA pela repressão pura e simples. O primeiro-ministro espanhol não criou um facto novo ao negociar com a ETA, mas agora tem a obrigação de não retroceder um milímetro perante os terroristas e deixar claro que o Estado espanhol voltou ao ciclo da repressão. Se volta ou não a surgir uma oportunidade de negociações, só o tempo e o comportamento da ETA o dirão. Até lá, só a justiça espanhola e os seus mecanismos de repressão devem pautar este conflito

Ora aquilo que Eduardo Dâmaso classifica como «repressão pura e simples» exercida sobre a ETA no tempo de Aznar não foi nem mais nem menos do que o Pacto Anti-Terrorista. Este pacto foi subscrito pelo PP e pelo PSOE e funcionou como a melhor estratégia de combate ao terrorismo em Espanha. Na prática esse pacto permitiu aplicar a estratégia que Dâmaso recomenda agora a Zapatero: «só a justiça espanhola e os seus mecanismos de repressão devem pautar este conflito»
Quanto à ETA boa e má e as negociações com a 'ETA errada' nada disso tem qualquer relevância. O governo espanhol não se enganou nos interlocutores, qualquer movimento terrorista tem sempre quem não queira deixar as armas. A questão é se existem condições para que eles não baixem as armas. Em Espanha essas condições existem porque além do interesse dos etarras em prosseguirem extorquindo e matando existe o interesse por parte dos partidos nacionalistas legalíssimos em manter o estado espanhol sob o fio da navalha da ameaça terrorista.
A ETA, os agonizantes mas ainda activos GRAPO e uma miríade de associações disponíveis para fazerem ocupações, interromperem aulas e conferências de não nacionalistas, boicotarem obras de empresas 'não amigas'... são mecanismos do desgaste exercido pelos nacionalismos.
Dossiers como a energia, o plano hidrológico espanhol e a atribuição de frequências de rádio provam-no todos os dias. Não é a ETA que é boa ou má e muitos menos está errada a agenda de contactos com a ETA existente na Moncloa. O que está em causa - e por isso a ETA pode sempre falar de incumprimento por parte de Zapatero - é o ponto prévio subjacente a esta negociação: ceder aos nacionalismos.