«Esmeralda, que fará cinco anos a 12 de Fevereiro, tem nome de preciosa. Faz sentido: por ela, o sargento do exército Luís Gomes que com a mulher Adelina Lagarto criou a menina desde os três meses, quando lhes foi entregue pela mãe biológica, está em prisão preventiva a enfrentar um julgamento por subtracção de menor e sequestro agravado, enquanto Adelina e a criança se escondem em paradeiro que ele recusa revelar. Por ela, o carpinteiro Baltazar Nunes, pai biológico por via de uma relação «ocasional», desencadeou uma batalha jurídica «até às últimas consequências», uma batalha para que lhe seja entregue uma filha que viu duas vezes na vida e que não o conhece.###
Ausente da equação estará a mãe biológica da criança, Aidida Porto, de nacionalidade brasileira, que em 2002, três meses após o nascimento da filha, a entregou ao casal Adelina/Luís. A história parece apropriada ao rei Salomão, mas é ao tribunal criminal de Torres Novas e ao colectivo de juízes presidido por Fernanda Ventura que cabe decidir quem é o bom pai.
Durante a sessão que ontem [5 de Janeiro]teve lugar, e na qual o arguido foi instado pelo Ministério Público a indicar onde Esmeralda se encontra, foi ouvido o pediatra que tem seguido a criança e que certificou que esta se encontra «muito bem tratada», assim como o psicólogo Eduardo Sá e a responsável pelo serviço de adopção da Segurança Social, Carolina Costa Pereira, que defenderam a manutenção de Esmeralda com os pais de acolhimento, que esta considera a sua família. Eduardo Sá afirmou mesmo que uma entrega ao pai biológico seria «dilacerante».
A juíza, no entanto, não soou convencida. «Quanto mais tarde ocorrer esse corte mais traumas haverá.» Frisando que a criança não pode ser adoptada porque o pai biológico não o admite, concluiu: «Não estamos aqui a defender a bondade do poder paternal mas um crime de sequestro que está a ser praticado de forma continuada.» Fernanda Ventura manifestou ainda a sua indignação pelo facto de, sendo Luís Gomes sargento do Exército, a PSP não ter logrado cumprir a ordem de tribunal que entregava a tutela da criança a Batazar Nunes, apesar de Luís Gomes e a mulher viverem a «500 metros da esquadra daquela polícia, no Entroncamento». Foi ainda mencionado o facto de o oficial do quartel em que Luís Gomes estava integrado se ter recusado a comunicar a morada deste à polícia. «Isto é uma coisa escabrosa», comentou a presidente do colectivo. «Que sobra para nós, os juízes, que têm de aplicar a lei.»
Certo é que a aplicação da lei, neste caso , será tudo menos óbvia. Baltazar Nunes só soube da existência da gravidez de Aidida a um mês do nascimento de Esmeralda, através de uma irmã da mulher com quem assume ter tido um «caso casual, de pouco tempo, um mês, um mês e tal». Coisa nada séria até porque na altura, confessa entre risos, «até tinha uma namorada». Duvidoso da paternidade alegada, diz nunca mais ter ouvido falar do assunto até que a GNR o veio buscar para o conduzir ao Instituto de Medicina Legal de Coimbra para «o teste de paternidade». É aí que Baltazar vê a filha pela primeira vez, bebé ao colo de Aidida. «Ela virou-me as costas, não pude pegar na bebé sequer. Mas naquela altura não me senti assim muito, porque não sabia se era o pai se não, tentei guardar-me um bocadinho.»
Três meses depois, o resultado do teste de DNA certifica-lhe os sentimentos. «Fiquei contente de saber que era pai, por ter alguma coisa na vida, mas fiquei triste por as coisas terem acontecido assim. Descobri onde ela morava, e dirigi-me lá várias vezes, com a minha mulher, pedi para ver a minha filha e ela disse que estava com os tios em Lisboa. Depois descobri que quando eu caminhava para lá, ela já tinha entregue a miúda.»
O carpinteiro garante que tentou mais vezes ver a criança, que chegou mesmo a tocar à campainha de Luís Gomes e Adelina Lagarto, mas que estes nunca lhe facultaram contacto com Esmeralda. «Só consegui vê-la no segundo aniversário dela, em Fevereiro de 2004, em Torres Novas, num cabeleireiro onde estava com a senhora. Disse-lhe que tinha de ver a minha filha e dar-lhe um presente, mas ela não deixou.»
Questionado sobre o efeito na criança da sua batalha e a justeza do seu desígnio, Baltazar não desarma: «É complicado, eu sei. Já tenho tudo para ela vir, tenho psicólogos, psiquiatras à espera. Mas eu só quero o bem estar da minha filha, que é estar comigo. Acho que o pai neste momento tem direito de ter a filha com ele, a maior alegria que teria na vida seria ter a minha filha comigo.» Quanto a uma eventual cessão do seu «direito», é inflexível: «Não aceitaria que aquele casal adoptasse a criança. Nunca.»
*Fernanda Câncio com Lusa
http://dn.sapo.pt/2007/01/06/sociedade/a_sorte_esmeralda_disputada_justica_.html