(...) Entendendo-se como joguetes da vida e não como donos da sua vontade, a única coisa que consegue levar os europeus à rua é dizerem "Não". Em primeiro lugar porque o "Não" aparece-lhes como a única palavra que os livra de quaisquer responsabilidades. Uma espécie de ideologia terapêutica sem contra-indicações nem efeitos secundários. Por outro lado o "Não" confere-lhes uma superioridade moral e espiritual. Eles rejeitam o mundo concreto com as suas guerras e as suas injustiças. E a esse mundo já não contrapõem outro, como fizeram no passado, mas tão só e tão comodamente apenas valores tão abstractos quanto consensualmente positivos como a paz e a solidariedade. (...)
(...) Neste contexto de rejeição do presente, visto como um tempo de queda, cristã e ideologicamente falando, as decisões mais valorizadas não são aquelas que se propõem fazer o que quer que seja. Antes pelo contrário valoriza-se quem abandona, desiste, deixa a meio um mandato, uma obra pública ou uma intervenção militar. Nada mais do que acções, logo apenas sinais da nossa pecaminosa mundanidade. Sintomático deste estado de espírito de desistência é que, uma vez concretizado esse abandono, ninguém mais se interroga sobre as consequências que este gerou. Veja-se o caso da barragem de Foz Côa. Onde estão os milhares de turistas prometidos por aqueles que contestaram a construção da barragem? As mil e umas iniciativas locais que iriam brotar em redor da musealização do Vale do Côa? Fez-se totalmente tábua rasa do que aconteceu após a suspensão da obra porque aquilo de facto contou, aquilo que de facto moveu a opinião pública foi o "Não". (...) Na verdade na apreciação que fazemos destes factos e dos seus protagonistas o que está em causa não são os dramas que suscitaram e suscitam mas sim as diferentes escalas que usamos para julgar quem toma a decisão de intervir e quem toma a decisão de partir. Quem toma a decisão de fazer algo ou quem toma a decisão de se demitir. E, na verdade, perdoamos muito mais a quem se demite das suas responsabilidades do que a quem as assume.
Esta desistência de si é o maior perigo que enfrenta o Ocidente. O terrorismo pode tornar-nos a vida difícil e dolorosa. Mas por mais violentos que sejam os atentados eles não comprometem o nosso modo de vida. Assustadora é sim esta demissão face ao futuro. Esta fobia do mundo.
Mais palavras para quê? Estamos perante outra grande mulher, Helena Matos no seu melhor, imbatível na blasfémia.