Com cerca de dois meses até às eleições americanas, tudo está em aberto, apesar do avanço de Bush nas sondagens após a convenção republicana. Uma coisa, no entanto, é certa: os maiores trunfos de Bush têm sido o próprio Kerry e o fanatismo de grande parte da esquerda (aqueles cujo apoio a Kerry encontra justificação no mote "anyone but Bush").
Numa situação em que Bush estava (por motivos de política interna e externa) numa posição muito delicada relativamente a importantes segmentos da sua base de apoio mais conservadora, a retórica primária de demonização do Presidente parece estar, mais uma vez, a servir na perfeição os interesses da campanha republicana. Propaganda de baixo nível do género da de Michael Moore e dos insultos a Bush repetidos incessantemente por muita comunicação social será certamente eficiente para inflamar as hostes de extrema esquerda, geralmente pouco interessadas na reflexão ou na discussão séria. No entanto, no que diz respeito ao efeito dessa propaganda a nível dos moderados, assim como junto dos conservadores hesitantes em relação a apoiar Bush, ele será provavelmente, na esmagadora maioria dos casos, o contrário do desejado por quem preferiria uma vitória de Kerry. Como reconhece o insuspeito (de simpatizar com Bush) Alexander Cockburn, a histeria de caracterizar Bush como um monstro acaba por facilitar enormemente a campanha republicana.
Por outro lado, a campanha democrata cometeu um grave erro estratégico ao apostar em centrar-se no passado militar de Kerry, procurando tirar daí dividendos, aparentemente na convicção de que os aspectos mais controversos do mesmo não seriam recordados (ou de que seria possível limitar o impacto da sua divulgação). A essa aposta errada, juntou-se uma gestão desastrosa da reacção às críticas dirigidas a Kerry pelos denominados Swift Boat Veterans for Truth.
A esta distância, e mesmo sendo de prever que Bush leve vantagem nos debates com Kerry, é ainda perfeitamente possível que a vantagem de Bush nas sondagens seja anulada. Em todo o caso, se se vier a concretizar uma vitória republicana, ela será em larga medida o resultado das fraquezas de Kerry e, paradoxalmente, do ódio irracional a Bush cultivado por propagandistas e agitadores pouco sofisticados. Ironicamente, se Bush ganhar, o arguto Karl Rove e a sua equipa terão de partilhar o crédito pela vitória com muita gente de esquerda...