10.12.04

AS EXPLICAÇÕES DE SAMPAIO

Tenho escutado todas as teorias argumentativas e interpretativas imagináveis acerca da decisão que Sampaio tentará hoje elucidar - o João Miranda, com muita propriedade, até já baptizou os peritos nessa exaustiva tarefa de «Sampaiólogos».

São hipóteses de frias conspirações partidárias, conjecturas de agendas pseudo-maquiavélicas, pressupostos de exegéticas hermenêuticas constitucionais, cogitações sobre um sacrifício pessoal em prol dos superiores interesses da Nação e demais suposições de exaltante patriotismo em melodias variadas - e tudo isto a propósito de uma resolução de alguém como Jorge Sampaio!!!...
Sejamos prosaicos: o homem é um fraco. Este deve ser o pano de fundo sobre tudo o que Sampaio é e faz.
Em Julho passado amedrontou-se com a decisão que deveria ter tomado mas que não ousou, como os homens da golpada muito bem calcularam.
Desde aí, o actual PR tem vivido num inferno. Muitos dos seus amigos desprezaram-no. Os aliados de sempre afastaram-se. Os elogios balofos da nossa imprensa, sempre submissa, começaram a rarear. De repente muitos portugueses, quer de esquerda quer de direita, aperceberam-se da chocante pusilanimidade de Sampaio. Deve ter sido uma tortura pessoal terrível para alguém que tanto gosta de ser gostado.
Um fraco, quando acossado, pode tornar-se perigoso. Sampaio deve ter-se arrependido da sua decisão de Julho imediatamente a seguir a tê-la tomado. Durante 4 meses foi acumulando razões e agravos, procurando fortalecer em si a convicção suficiente para poder voltar atrás.

Convenhamos que o Governo de Santana/Portas não lhe regateou causas - estes últimos 4 meses, desde a tomada de posse até ao discurso da incubadora, revelaram que a nossa intensa tradição de mau Governo consegue sempre ser ultrapassada e, sobretudo desde 1995, depois da tempestade de um mau Governo é lícito esperar pela borrasca de um outro ainda pior.

Mas a tradição constitucional portuguesa não integra a ideia que se podem convocar eleições apenas porque o Governo é trapalhão, porque os ministros primam por serem desbocados ou devido a discursos infelizes do primeiro-ministro. Principalmente se este Governo apenas o é há 4 meses.

No entanto, uma sucessão de casos mediaticamente inflamados criaram o ambiente virtual que Sampaio julgou ser propício à sua almejada "fuga para a frente". Atabalhoadamente, numa reunião com Santana é quase forçado a informá-lo de que vai convocar eleições. Não segue os trâmites formais da Constituição. Nada diz ao presidente da AR, não ouve os partidos, nem o Conselho de Estado.
É, claramente, um arremedo de um fraco que teve de acontecer naquele preciso momento, porque, provavelmente, 30 minutos depois já não existiria coragem para o fazer.

Nesta última semana o regime desta III República desacreditou-se irremediavelmente:
- aprovou-se um (mau) OGE que ninguém quererá aplicar, ganhe quem ganhar as próximas eleições;
- ouviram-se os partidos e o Conselho de Estado acerca de uma decisão que já foi tomada e é por todos conhecida;
- ilustres constitucionalistas disseram que esta fantochada correspondia ao espírito da Constituição;
- Sampaio, com a voz embargada, expeliu um conjunto de apelos à "serenidade emocional" dando a ideia de que estava a queixar-se de si próprio;
- a figura institucional do PR, atacada pelo Governo e defendida por Sócrates, tornou-se tema de combate na pré-campanha como já não acontecia desde Eanes e Sá Carneiro.

Estes factos só servem para apressar a queda desta III República que está gasta, sem soluções e sem capacidade de regeneração. Precisamos de uma nova Constituição, de um diferente equilíbrio de poderes, de outros partidos, de distintas regras de jogo. Este regime e estes partidos não conseguem resolver nenhum dos grandes problemas nacionais, nem possuem remédio para tentar atenuar o cheiro da decadência colectiva em que estamos há décadas.
No meio disto tudo, Sampaio é somente uma triste figura do fim. Nada mais.