Não vou fazer a figura do Jorge Coelho, ficando espantando com algo que é óbvio: o Estado distribui, sob a capa de «reformas», privilégios aos seus mais fiéis servidores. Recorrentemente, vamos sabendo que a pessoa a, b ou c foi agraciada com esta «sorte grande», uma renda para toda a vida, atribuída a longa distância do fim da vida activa, ou outro tipo de «ajuda».
Nesta teia foi «apanhado» recentemente «peixe graúdo»: Luis Campos e Cunha: seis anos de trabalho no Banco de Portugal permitem-lhe auferir de uma «reforma» superior a oito mil euros mensais. Chamar a isto «reforma» mais não passa do que uma subvenção encapotada: vamos crucificar Campos e Cunha?
Não vale a pena: se formos analisar a lista de reformados do Banco de Portugal - se bem que com «pensões» de montante bem distinto - ficamos deprimidos. Tudo o que é economista que anda na vida pública «passou» por lá e compõe o seu orçamento com o que de lá «pinga». O Terreiro do Paço teria de virar «Monte Calvário».
Desde a década de oitenta que a classe política vive numa encruzilhada: por um lado, acha que é mal paga; os políticos acham - com ou sem razão (nuns casos sim, noutros não) - que se estivessem no sector privado teriam remunerações mais elevadas; por outro lado, porém, há um enorme complexo ideológico em atribuir uma remuneração decente aos políticos; é preciso que elas sejam moderadas, para «manter as aparências». A receita que a classe política adoptou para «equilibrar a balança» é uma desgraça: ajudas de custo; despesas de representação; motoristas, reformas e subsídios de reintegração na «vida activa»; recompensas com cargos em empresas públicas ou privadas. Acumulações de expedientes em várias entidades. O que se assiste é a uma lei das compensações que a classe política justifica, para acalmar as consciências, com a evidência de que «ganham mal».
Desejavelmente, a reforma deveria ser calculada por recurso a sistemas de capitação individual, resgatáveis em qualquer momento: para começar, já não seria mau se elas se limitassem a ser subvenções que se recebem no final da vida activa. E com regras transparentes e que respeitassem o bom-senso e uma ideia mínima de equidade.
Porque, tenham lá paciência: seis anos de trabalho não podem dar direito a uma «reforma»; ainda por cima de oito mil euros por mês, até ao final da vida. E tal não é uma questão ideológica: liberais, comunistas, conservadores, socialistas, nisto está tudo de acordo. O país não aguenta uma coisa destas.
Campos e Cunha «orientou-se». Aproveitou uma benesse que tem a cobertura legal; muitos outros na sua situação beneficiaram desta «Santa Casa» que é o Banco de Portugal. E muitos outros casos existem, como os cargos na GALP. São tudo versões distintas, mas a música é a mesma.
Mas há que dizê-lo: isto não tem ponta por onde se lhe pegue, não tem.
José Sócrates diz que quer terminar com o pântano que são as regalias dos políticos. Na minha humilde opinião, a sua intenção poderá ser a melhor, mas arrancou mal. Primeiro, porque criou um nexo fatal ao relacionar esta reforma com a questão do défice. Passou aos políticos um «rótulo», um estigma que lhes causou uma forte, digamos, «azia». Não que muitos não o merecessem. Mas, para alterar esta lei, seria importante encontrar uma forte plataforma de consenso. A abordagem foi desastrosa, e teve um efeito «boomerang». Com que cara vai Campos e Cunha e José Sócrates impor agora aos deputados, por exemplo, limitações ao nível das reformas, que no parlamento exigem doze anos, quando o Ministro das Finanças beneficia de uma reforma bem superior, para a obtenção da qual necessitou apenas de metade do tempo? E que dizer a um funcionário público que para receber uma reforma de 1500 euros, terá de esperar até ao 65 anos de idade? Campos e Cunha pode sempre responder: «Tivesses tirado Economia, e ido para o Banco de Portugal».
Campos e Cunha teve a coragem de assumir um lugar particularmente difícil; o PEC que apresentou revela coragem. Para alguém que, como eu, não acredita neste PS, Campos e Cunha representa a única fonte de esperança. Agora, a sua posição ficou um pouco enfraquecida, não só pelo non sense que patrocinou, como também, pelas explicações que prestou: Campos e Cunha diz que a sua reforma é paga pelo Fundo de Pensões do Banco de Portugal. E não pela Caixa Geral de Aponsentações ou pela Segurança Social. Juridicamente o que diz é correcto; mas, por amor de Deus, o Banco de Portugal é uma pessoa colectiva de direito público (cfr. Lei Orgânica do BdP), e não uma entidade privada. Formalismos e legalismos, nesta altura, não valem!
O Toneca é que está bem. Trés Jolie!
Rodrigo Adão da Fonseca