12.6.05

Os limites do falsificacionismo II

Notas sobre geometria

1. As geometrias sao sistemas formais que por si só nada nos dizem sobre a realidade. Mas, como se verá, uma geometria quando interpretada contribui com conhecimento a priori para o estudo da realidade.

2. Para se definir uma geometria é necessário definir um conjunto de axiomas. A partir destes axiomas é possível deduzir um conjunto de teoremas. Os teoremas são uma consequência necessária dos axiomas.

3. Por exemplo, a geometria euclidiana deduz-se a partir de 5 axiomas sobre Elinhas, Epontos e Ecircunferências. Estes axiomas permitem obter proposições sobre Etriângulos e Eânglos. Entre elas o teorema de EPitágoras.

5. A geometria Elíptica deduz-se a partir de 5 axiomas sobre NElinhas, NEpontos e NEcircunferências. Estes axiomas permitem obter teoremas sobre NEtriângulos e NEânglos. Entre elas o teorema de NEPitágoras.

6. O 5º axioma da geometria Euclidiana é diferente do 5º axioma da geometria Elíptica. Enquanto na geometeria Euclidiana, por um Eponto só pode passar uma Eparalela, na geometria Elíptica não existem NEparalelas.

6. Dado que o 5º axioma da geometria Elíptica é diferente do quinto axioma da geometria Euclidiana, as Elinhas não são NLinhas, os Etriângulos não são NEtriângulos e o teorema de EPitágoras não diz a mesma coisa que o teorema de NEPitágoras.

7. A geometria por si só não nos diz nada sobre a realidade, mas a geometria devidamente interpretada diz. Ou seja, para que a geometria seja informativa em relação à realidade é necessário estabelecer relações entre as entidades da geometria e as entidades reais.

8. Note-se ainda que se a geometria fosse uma mera linguagem não teria uma existência autónoma da realidade.

10. A realidade é um bicho completamente diferente. Existem N conjuntos de:

{Rlinhas_i, Rpontos_i, Rcircunferências_i}

em que i varia entre 1 e N.

11 A priori, não sabemos se algum destes conjuntos tem as mesmas propriedades de Elinhas, Epontos e Ecircunferências ou de NElinhas, NEpontos e NEcircunferências.


12. No entanto, há uma coisa que sabemos a priori: se um dos conjuntos respeitar os 5 axiomas da geometria Eclidiana então, respeita obrigatoriamente todos os teoremas da geometria euclidiana.

13. Isto é, se se provar empiricamente que Rlinhas_i, Rpontos_i e Rcircunferências_i podem ser tratados como Elinhas, Epontos e Ecircunferências porque respeitam os 5 axiomas da geometria Euclidiana, então também têm que respeitar o teorema de Epitágoras.

14. Dito de outro modo, se eu provar empiricamente que Rlinhas==Elinhas, Rpontos == Epontos então não preciso de provar que as Rlinhas e os Rpontos respeitam o teorema de Epitágoras porque essa informação tira-se a priori.

Seria um erro metodológico fazer uma experiência para verificar se os Rtriângulos rectângulos respeitam o teorema de Epitágoras se já estiver demonstrado que Rtriângulos rectângulos == Etriângulos rectângulos.

15. A geometria não é uma propriedade do universo. As mesmas estruturas podem ser estudadas quer por interpretação da realidade de acordo com a geometria Euclidiana quer interpretando a realidade de acordo com uma geometria não euclidiana.

16. É o que acontece com o estudo de superfícies esféricas como a superfície da Terra. Se escolhermos um conjunto:

{Rlinhas_1, Rpontos_1, Rcircunferências_1}

que tem as propriedades de NElinhas, NEpontos e NEcircunferências então sabemos a priori que Rlinhas_1, Rpontos_1 e Rcircunferências_1 respeitam todos os teoremas da geometria Elíptica.

17. Se escolhermos um conjunto:

{Rlinhas_2, Rpontos_2, Rcircunferências_2}

que tem as propriedades de Elinhas, Epontos e Ecircunferências então sabemos a priori que Rlinhas_2, Rpontos_2 e Rcircunferências_2 respeitam todos os teoremas da geometria Euclidiana.

Note-se que as estruturas {Rlinhas_2, Rpontos_2, Rcircunferências_2} não precisam de pertencer por inteiro à superfície da esfera. Não há problema nenhum que as Rlinhas_2 atravessem a superfície da esfera porque isso não nos impede de obter informações relevantes sobre a subperfície da esfera.

18. O mesmo é válido para a estrutura geral do universo. Se eu descubro que a estrutura possui

{Rlinhas_3, Rpontos_3, Rcircunferências_3}

que têm as propriedades de estruturas análogas da geometria X, então eu concluo que se lhe aplicam todos os teoremas da geometria X.

19. Se eu descubro que a estrutura possui:

{Rlinhas_4, Rpontos_4, Rcircunferências_4}

que têm as propriedades de estruturas análogas da geometria Y, então eu concluo que se lhe aplicam todos os teoremas da geometria Y.

Note-se que as estruturas {Rlinhas_4, Rpontos_4, Rcircunferências_4} podem ser estruturas imaginárias que só em parte pertencem ao universo. E muitos dos teoremas podem ser sobre estruturas imaginárias que só em parte se podem identificar com estruturas reais. Mas pelo menos alguns teoremas são mesmo assim informativos em relação à realidade porque podem ser identificados com fenómenos reais.

20. Note-se ainda que o mesmo objecto real pode ser interpretado como um Xlinha e como uma Ycurva. Dificilmente o mesmo objecto real poderá ser ao mesmo tempo uma Xlinha e uma Ylinha porque se as geometrias X e Y forem diferentes, o mais provável é que as Xlinhas e as Ylinhas não sejam a mesma coisa.

21. Note-se finalmente que, apesar de alguma informação sobre a realidade ter forçosamente que ser obtida empiricamente, isso não significa que a geometria quando iterpretada não seja informativa. Isto acontece por duas razões:

A- a geometria permite-nos saber a priori como o universo não pode ser. Por exemplo, o universo não pode ter um Rtriângulo_i que ao mesmo tempo não respeite o teorema de Epitágoras e seja igual a um Etriângulo.

B - Apenas uma fração muito pequena dos teoremas precisa de ser verificada empiricamente. Se os axiomas forem comprovados, todos os teoremas ficam imediatamente comprovados. Ora, isto não seria possível se o conhecimento a priori da geometria não complementasse a informação empírica. Sem o conhecimento a priori fornecido pela geometria todos os teoremas teriam que ser verificados experimentalmente.