«É o último reduto de Marco de Canaveses, o gabinete de Avelino Ferreira Torres. A Pública entrou nele na manhã de sexta-feira 1 de Abril, à hora que tinha sido acordada num encontro casual com o próprio presidente da câmara, dois dias antes. A entrevista fora pedida justamente para este último dia de permanência no Marco de Canaveses, de modo a poder ouvir o autarca sobre as questões surgidas ao longo da reportagem. A secretária do presidente abriu a primeira porta, que tem um código e dá acesso a uma espécie de "hall", depois uma segunda porta, aparentemente blindada, e retirou-se. Fechada a porta, o presidente revelou que já estava informado sobre os passos da Pública em Marco de Canaveses, referindo-se explicitamente à conversa na esplanada com Gil Mendes, o homem que o processou por irregularidades. Levantando progressivamente o tom de voz, afirmou saber bem que tipo de pessoas tinham sido ouvidas e qual era o objectivo da reportagem. A jornalista respondeu que tinham sido ouvidas cerca de duas dezenas de pessoas, muito diversas, nas freguesias e na cidade, com o objectivo de fazer um retrato da vida no concelho, num momento em que o presidente dos últimos 22 anos é candidato a outra câmara, e que a Pública estava ali para ouvir Avelino Ferreira Torres, tendo uma série de perguntas para colocar. O presidente disse então que a entrevista podia ser feita na condição de se reproduzir 100 por cento do que dissesse. Foi-lhe explicado que isso era impossível, que a entrevista seria sempre objecto de tratamento editorial, e que lhe cabia a ele acreditar ou não que tratamento editorial não significa desvirtuar o conteúdo. O presidente chamou a atenção para o gravador que também trouxera para a entrevista. A jornalista ligou o seu. No início da segunda pergunta, à menção "falência técnica da câmara", o presidente voltou a elevar a voz, contestando em termos abruptos a utilização do termo. Na pergunta seguinte, com uma citação do seu adversário Luís Almeida, do PS, o presidente explodiu. Berrou que não admitia a menção desse "nome de estrume". A jornalista insistiu em tentar concluir a pergunta, mais do que uma vez. O presidente exigiu que se interrompesse a gravação e levantou-se aos berros, batendo com os pés. A jornalista levantou-se e deu por concluída a tentativa de entrevista. O presidente continuou a berrar e a bater com os pés no chão, entre os repórteres e a porta, repetindo "estrume", insinuando que a Pública estava manipulada pelos seus adversários. Os repórteres continuavam de pé, à espera de poder sair. O presidente exigiu ficar com a cassete com a tentativa de entrevista. A jornalista respondeu que o registo das palavras de Ferreira Torres não seria usado, visto que o acordo de entrevista ficara sem efeito. O presidente continuou a exigir a cassete, respondendo que não confiava na jornalista. Este pingue-pongue arrastou-se. O presidente berrou que os repórteres não saíam dali enquanto não lhe dessem a cassete. A jornalista tirou então a cassete do gravador, partiu-a ao meio, tirou a fita e queimou-a com um isqueiro. Se, num extremo de interpretação legal, fosse possível defender que o direito ao conteúdo da tentativa de entrevista também cabia a Ferreira Torres, já a cassete era seguramente da Pública, não tinha que ser entregue ao presidente. Continuando de pé entre os jornalistas e a porta, Avelino berrou depois que fosse apagado da câmara digital o registo da meia dúzia de fotos que lhe tinham sido tiradas ali, à secretária, mesmo perante insistentes garantias por parte do repórter de que as fotos não seriam usadas. O que foi feito. O presidente chamou um funcionário para ter a certeza de que as fotos estavam a ser efectivamente apagadas e continuou a gritar "estrume" a propósito de Luís Almeida. A Pública não sabe se o gravador de Avelino estava ligado ou não. O aparelho encontrava-se deitado, com o visor da cassete para baixo. »