7.6.05

Torre de Babel

Algures na Babilónia, na planície de Sinar, alguns povos, oriundos do Oriente, decidiram construir uma das mais belas cidades que a humanidade terá conhecido, com palácios e jardins suspensos, uma das Sete Maravilhas do Mundo. A cidade, no seu topo, tinha um templo, com uma torre, erigida para se perder no Céu. Era tal a sua perfeição que não havia na Terra nada igual, o que fazia com que o povo da Babilónia não se dispersasse.

Esta obra era fruto do espírito humano, que encheu o povo da Babilónia de orgulho e soberba.

Na cegueira causada pela admiração da sua própria obra, esqueceram-se de Deus. Este, como castigo, baralhou-lhes as línguas; onde antes todos se compreendiam, começaram a surgir vários idiomas. Os construtores da Torre de Babel deixaram de se entender, dispersando-se pela Terra, dando origem às diversas culturas e às diferentes línguas que se falam no mundo.

Desde então, a Torre de Babel representa a falta de acordo e simboliza o castigo divino sobre a arrogância, o orgulho e o paganismo humanos.

Eu sou Europeísta. Para mim o ideal europeu transporta a possibilidade de afirmação de uma cidadania num espaço mais amplo, a uma escala mundial. Significa, num mundo globalizado, tendencialmente sistémico, poder habitar uma região portadora dos valores da civilização e do progresso. Progresso, desde logo, económico. Mas também um lugar onde os cidadãos possam viver em Liberdade e Paz. Não receio as chamadas perdas de soberania, pois essa apenas existe na ilusão da existência de um Estado; e, como dizia Fernando Pessoa, a minha pátria é a língua portuguesa (e não o Estado Português). Vivo sonhando poder, um dia, passear com os meus filhos sob os Jardins Suspensos da Babilónia, poder deixar-lhes uma Europa melhor.

Infelizmente, a Europa, hoje, é uma Torre de Babel, onde não é possível, ainda, trilhar um caminho comum. São mais as razões que nos desunem do que aquelas que poderiam levar-nos à Planície de Sinar.

E quem são aqueles que estão a travar a Construção Europeia? São os Povos envelhecidos, que perderam a ambição de ir mais longe. Os Povos que vivem com ansiedade e medo do futuro. Que receiam a concorrência. Que não se sentem confortáveis na diferença étnica e cultural. Que não são capazes de assumir desafios. Que acreditam que, fechando os olhos, poderão sentir o conforto e o consolo no regaço do Estado, esse «Pai Tirano» que pensam que os tutela e protege.

A Europa votou «Não» ao Tratado Constitucional. França, Holanda e Reino Unido sentenciaram de morte esta etapa decisiva para quem defende e aspira a uma União. E terá sido por causa da «supra-infra-ordenação» do Tratado face às Constituições Nacionais? Porque entendem não fazer sentido existir um Ministro dos Negócios Estrangeiros da Europa e uma política externa? Porque consideram que as decisões mais importantes devem ser tomadas por unanimidade? Algumas pessoas terão votado o Tratado em si. Outras apenas desconfiam de um processo que foi conduzido com alguma falta de transparência aos olhos do cidadão comum.

Mas o grande impacto do «Não» é outro. E essa é a razão pela qual ele teve uma fortíssima repercussão social: uma certa Europa tem medo da mudança; receia perder os privilégios, não quer avançar em relação ao futuro. Alguns Europeus não estão preocupados com o continente que vão deixar aos seus filhos - e quantas vezes já nem os querem - mas apenas em assegurar as suas reformas, nem que isso se traduza numa oneração das gerações futuras; não existe a preocupação de construir, mas apenas de preservar ou só usufruir. Alguns Europeus deixaram de amar a Deus e os outros, preocupando-se apenas, obviamente de uma forma «solidária», consigo próprios; por tudo isso estamos a viver esta enorme Torre de Babel, onde parece que perdemos o rumo.

Hoje, em boa parte da Europa, mudar, assumir riscos, enfrentar dificuldades para ter um futuro melhor, representam ameaças que importa eliminar.

Feliz ou infelizmente, o mundo não pára. E se a Europa não quer liderar, promover, criar, outros o farão. Os meus filhos, vos garanto, falarão fluentemente inglês, espanhol e quem sabe, chinês. Porque gostava que eles viessem a ser cidadãos do mundo, já que, parece, poderá não ser suficiente que eles venham a ser cidadãos da Europa.

Rodrigo Adão da Fonseca

P.S. Ontem, em vez de ficar a ver o Prós&Contras, fui às Tertúlias no Comercial. O convidado foi Paulo Rangel, que fez uma apresentação fantástica das razões do «Sim». Nenhum dos presentes, partidários do «Sim» ou do «Não», ficou indiferente. Amanhã vale a pena ler a cobertura das Tertúlias no «Comércio do Porto».