6.9.05

Minimax, ou a arte de cavalgar a toda a sela

VM, num post de hoje no seu blog, Causa Nossa, a que chamou «O falhanço do Estado Mínimo», pretensamente constata que o furacão Katrina e a generalidade das catástrofes naturais serviriam para justificar uma certa ideia de Estado, associando a tudo isto algo que todos prezamos: a Segurança: «Nada melhor para verificar o precioso valor do Estado do que as grandes catástrofes naturais».

Procurei, dentro das limitações que um blog sempre tem, rebater esta ideia, num post a que chamei «O Admirável Mundo Novo de Vital Moreira».

E fi-lo utilizando uma linguagem que quis simples, para poder ser acessível, mas refugiando-me em algumas das ideias mestras de uma das principais correntes do pensamento liberal: a Escola da Public Choice.

O que procurei explicar no meu post é que, sendo os recursos escassos, numa base de escolha racional, existem milhares de necessidades que merecem a preferência dos consumidores, pelo que, das duas, uma:

a) Ou VM abstraiu do facto dos recursos serem por natureza escassos, e então é possível afirmar que todas as necessidades são supríveis sem fazer escolhas;

b) Ou então, sabendo que os recursos são escassos, VM teria de instalar um «Estado Omnipresente», capaz de sonegar os recursos indispensáveis à realização de obras que não vão ao encontro daquilo que é a vontade dos cidadãos.

Imaginem, para tornar tudo isto mais perceptível, o seguinte «caso»: Lisboa, obviamente, não está minimamente preparada para a eventualidade de ocorrência de um terramoto. Se uma catástrofe destas vier a acontecer, vai ser uma tragédia. Se agora um determinado candidato, por hipótese, Vital Moreira, decidisse anunciar na campanha que está em curso que ia canalizar os recursos necessários para antecipar, monitorar e minimizar o impacto de um terramoto, sacrificando, obviamente, outras iniciativas em áreas tidas como essenciais, qual seria o seu resultado eleitoral?

Como podemos facilmente perceber, nesta linha, só num «Estado Omnipresente» se conseguem impor prioridades que se afastam tanto daquilo que seriam as escolhas racionais tomadas num ambiente razoavelmente livre.

No meu post critiquei ainda duas das ideias-mestras constantes do post de VM e que contaminam na minha óptica de uma forma decisiva, as suas conclusões.

A primeira das quais passa pela «mestria», ao bom estilo do Eterno Capitão «João Pinto», revelada ao recuperar a nobre táctica de «fazer prognósticos no fim do jogo»; é relativamente fácil, depois de ocorrida a tragédia, defender que muito mais deveria ter sido feito; este juízo tem de ser feito antes, e não depois (como será o caso da nossa atitude actual face a um potencial risco de terramoto em Lisboa).

A segunda ideia que contesto - e muita gente «padece» deste mal - é a que defende que todas as catástrofes naturais podem ser evitadas quando o homem se organiza colectivamente na tal comunidade política chamada Estado; tal visão considerei-a redentora pois, mesmo perante as chamadas falhas de mercado - ou, neste caso, da sociedade civil - fica por demonstrar que a mera existência de um Estado dotado de mais meios possibilitaria uma resposta mais eficiente; muitos autores defendem que, numa análise de políticas públicas, se deve evitar a falácia de justificar a acção dos governos apenas e só porque existem falhas de mercado: pois, em muitas situações, e como diz o povo, «a emenda é pior que o soneto».

Por todas estas razões considerei que o post de Vital Moreira andava algo próximo da «crendice». Porque aí se assume que a mera ocorrência de uma tragédia é suficiente para defender a necessidade de mais Estado. Mas sem apresentar qualquer fundamentação. Vital Moreira sente-se «ofendido», porque tendo ele criticado aqui outras crendices - certamente de outro calibre - não gostou da comparação. Obviamente, para VM, as suas crenças têm um valor superior às crenças alheias. Algo que eu nem discuto. Ocorre que, para poderem ser atendíveis, as ideias que VM nos apresenta têm de ser igualmente explicadas e justificadas, ainda que minimamente e naquilo que é o espaço de um blog. E não cabe aos liberais - ou «ultraliberais», como agora somos rotulados, até quando advogamos algo considerado moderado, como a doutrina da Escolha Pública - defender o Estado Mínimo. O Professor VM é que tem de justificar em que se fundamenta para defender uma ideia que, se aplicada, conduz a uma diminuição das liberdades individuais, certamente em troca de mais «Segurança». O fundamento contratualista em que assenta a actuação de um Estado de Direito Democrático a isso obriga.

Toda a minha argumentação - e como acima me explico - atende apenas ao que VM escreve, nunca fazendo referências que possam atingi-lo como pessoa. Aliás, e como já lhe havia particularmente manifestado, ainda recentemente, considero que são pouco próprias, bastante indelicadas, às vezes cobardes e injustas, as críticas - muitas vezes anónimas - que lhe são dirigidas em muitos «locais» da blogosfera.

Por isso fico desiludido quando vejo que VM cataloga a minha forma de escrever como sendo «própria do estilo marialva», cedendo à «referência fácil» que tanto critica.

Não tenho vergonha em assumir que, sendo eu um homem do Norte, desconhecia a expressão. Na minha terra, normalmente, quando se insulta, as expressões são, digamos, mais agrestes, e não deixam margem para dúvidas. Por isso fui ao dicionário:

«(...)

marialva
adjectivo, 2 géneros
1. HISTÓRIA referente às regras de cavalgar à gineta
2. mulherengo; conquistador
substantivo masculino
1. bom cavaleiro;
2. pejorativo indivíduo de família distinta que se ocupa de cavalos e de touros e leva vida ociosa e dissoluta;
3. pejorativo mulherengo; homem conquistador
(De Marialva, antr.)

(...)».

Não sabendo cavalgar à gineta, nem sendo tal referência minimamente propositada, não percebi exactamente se VM me estava a chamar mulherengo e conquistador ou indivíduo de família distinta que se ocupa de cavalos e de touros e leva vida ociosa e dissoluta.

Ainda assim, e tirando essa coisa dos cavalos e dos touros, que o meu carácter eminentemente urbano despreza, muito desejo que da lista das múltiplas artes que VM domina conste uma «oculta» - a de Profeta - porque, sinceramente, sempre aspirei a ser um mulherengo conquistador - coisa que infelizmente nunca fui e felizmente hoje em dia não sou (mas que, no meu íntimo, até gostava de ser); já agora, ser um indivíduo de família distinta, levando uma vida ociosa e dissoluta também não deve ser nada desagradável.

Pena que tenha de trabalhar, coisa que faço com gosto, e muito.

Pensando bem, e para acabar, talvez seja algo «marialva». Porque, apesar do desdém e de um certo complexo de superioridade que transparecem nas críticas feitas ao meu post - eu tenho o ónus de ter de justificar tudo (talvez porque sou um cavaleiro andante), Vital Moreira (talvez porque é um conceituado académico) pode dar-se ao luxo de escrever em breves postulados - quero confidenciar-vos que não consigo deixar de respeitar o Professor, pela sua enorme inteligência e, sobretudo, simpatizar com o blogger, porque poucas pessoas em Portugal da sua categoria têm uma tão grande abertura para o debate.

Rodrigo Adão da Fonseca