1.9.05

Pão e Socialismo, cada qual come o que quer

Mário Soares, o político que em tempos se apelidou de «fixe», decidiu ontem «aceitar» ser candidato à Presidência da República. «Aceitou», diz ele, porque pretende combater o «pessimismo». E porque considera que se instalou o «indiferentismo».

A mim, ao contrário de outros, não me preocupa a idade avançada de Mário Soares, antes pelo contrário: num momento particularmente difícil, as pessoas com mais experiência e notoriedade podem ser importantes, pois gozam de uma especial credibilidade, essencial para motivar os diversos agentes na promoção da mudança.

O que eu receio é que, entusiasmado por um discurso de pretensa mudança, o eleitorado opte por um Presidente da República cujas ideias continuam agarradas ao Portugal do passado recente de que nos queremos livrar.

Mário Soares tem uma capacidade oratória rara; só depois de o ouvir novamente nos apercebemos como a generalidade dos políticos no activo, desde António Guterres, são maçadores; octogenário, certamente, e com uma voz que nas partes mais longas já se arrasta, Mário Soares consegue ainda assim galvanizar as platéias; o que o torna mais perigoso, pois pratica com mestria a arte da demagogia e do discurso redondo: dizer, numa época difícil, que «para lá do défice (...) há outras realidades», pois o que conta «são as pessoas e a sua determinação para lutar», ou que a economia é muito importante, mas que a «economia está ao serviço das pessoas, e não as pessoas ao serviço da economia», recorrendo ao poeta Pessoa e a Jesus Cristo para o justificar, falar contra o «pessimismo», contra o «indiferentismo», colocando na voz a alma do velho animal político, revela uma enorme capacidade de utilizar as palavras para nada dizer.

Mário Soares quer ser outra vez o Presidente de todos os portugueses. Quer, diz, unir novamente o país em torno de um objectivo comum. Agora, não se iludam com as palavras mansas de Soares: convém não esquecer que Mário Soares representa, sendo até o seu máximo expoente, a esquerda conservadora, embora se apresente numa versão light, pronto a ser consumido em larga escala, que insiste em combater aquilo que chamam a «globalização», não percebendo que ela é irreversível, e que devemos mas é procurar aproveitar as oportunidades que ela propicia; que tem dificuldade em apontar o dedo aos problemas, encontrando sempre formas de os atenuar, adiar e ignorar; que se diz acima dos interesses mas que funciona sempre assente nas fidelidades mais antigas; que afirma - com todas as letras - que a «economia não é uma ciência exacta»(!), ponto de partida necessário para justificar todas as iniciativas que conduzem ao tal mundo «equitativamente repartido», «mais tranquilo», supostamente «mais justo».

Mário Soares é um candidato perigoso porque, como José Sócrates, sempre percebeu bem o que os portugueses querem ouvir. E conta-lhes a «historinha» como poucos o sabem fazer.

Contudo - e os mais jovens devemos ponderar mais ainda, pois estamos se Deus quiser bem longe de morrer - temos de decidir se queremos na Presidência da República alguém que não seja capaz de assumir as rupturas de que o país carece. Nos próximos cinco anos, Portugal não precisa de um «Presidente de todos os Portugueses», no sentido em que isso represente apenas o imobilismo, a insistência em seguir um rumo que já se percebeu que não serve.

Mário Soares é, sem dúvida, portador de um discurso fácil, informal; é uma pessoa simpática, altamente disponível, pois aos oitenta e um anos certamente não precisaria de se sujeitar a mais um combate político, que pode ser o seu último, em que parte com uma grande desvantagem.

Agora, não se iludam: votar em Mário Soares significa apostar na pretensa mudança que vai deixar tudo na mesma; mais não é do que, e parafraseando Medina Carreira, votar para, deixando de lado o pessimismo, continuarmos a «empobrecer, mas alegremente». Pão e Socialismo, cada qual come o que quer.

Rodrigo Adão da Fonseca