15.9.05

«RENTRÉE LIBERAL»

1. O «Café Blasfémias», ontem realizado no fantástico «Teatro Rivoli», marcou aquilo a que podemos pomposamente chamar a «rentrée liberal» em Portugal, sendo que já se anunciam, também, outras iniciativas, como as «Noites à Direita», actividades editoriais vocacionadas para os autores do liberalismo clássico, realizações da «Causa Liberal», jornais, revistas e blogues em curso, etc..
2. O «Café Blasfémias» de ontem sugeria o tema «Eleitores e Eleitos», pretendendo, com isso, lançar debate sobre a relação de confiança existente em Portugal entre o poder soberano e a sociedade civil, que, em última análise, deve legitimar ou não o exercício do poder político.
3. Embora com algumas vozes discordantes, a esmagadora maioria dos presentes manifestou-se no sentido do claro desfasamento entre uns e outros, acreditando, no entanto, na possibilidade de reversão desta tendência, na medida em que aqueles que se situam fora da sociedade política consigam influenciar a opinião pública no sentido da necessidade de limitação do Estado, do seu poder e da sua capacidade de intervir na vida de cada um e de todos nós, de modo a encurtar distâncias e a tornar racional o poder.
4. Curiosamente, não foram poucos os que afirmaram acreditar na receptividade da sociedade portuguesa a uma «agenda liberal», que corresponda a ideias políticas claras: diminuição do peso do Estado e da burocracia na vida dos cidadãos, privatização de sectores ainda à sua responsabilidade, promoção de reformas na administração pública que a agilizem e modernizem, abertura do sistema político a independentes, ou seja, a cidadãos não forçosamente candidatos aos órgãos de soberania pela via partidária, racionalização das políticas sociais do Estado e das receitas que supostamente cobra para esses fins, diminuição radical do funcionalismo político, da contratação de gestores públicos, directores-gerais (ou particulares, tanto faz) e toda a sorte de assessores.
5. Foi, assim, dominante, a convicção de que estas ideias, se devidamente debatidas em fóruns desta ou de outra tipologia, podem acabar por penetrar profundamente na sociedade portuguesa, farta maioritariamente de um mal que muitas vezes não consegue diagnosticar com clareza, outras, que sabe bem identificar, embora se sinta impotente para reagir.
6. Nessa medida, a hora é, sem dúvida, dos liberais. Se alguém, nos últimos anos, trouxe alguma novidade à política em Portugal, nomeadamente, ao debate de ideias, foram eles. Mas isso implica, por outro lado, a consciência e a responsabilidade de se saber o que se anda a dizer e, sobretudo, com que fins.
7. Do meu ponto de vista, que da sociedade política pretendo apenas que me incomode o menos possível, a «agenda liberal» que me interessa não será a da eventual «tomada do poder político» pelos «liberais». Para além da tontice do conceito em si mesmo, isso em nada se distinguiria de uma normal programação político-partidária para conduzir algumas figuretas à chefia da administração pública portuguesa. Ora, o que eu enquanto liberal estimaria é que essa administração pública tenha cada vez mais menos figuretas, e que cada uma delas disponha de menos poderes de intervenção. O que só será eventualmente alcançável quando e se a classe política entender que não poderá ser de outra forma. Daí, a importância vital de debater estas ideias e de as divulgar com abertura total. São, por isso, muito bem vindas todas as iniciativas deste tipo ou de outro, que contribuam para esse fim. Quanto às picardias, saudáveis até certo ponto, pelo que a mim me toca, podem bem ficar para uma segunda oportunidade.