No seu estilo habitualmente brilhante, o Rui insistiu naquilo em que já tinha escorregado aqui.
A prosa seria excelente se o seu conteúdo não se revelasse redundante (1) e viciado (2).
O cerne do raciocínio do Rui assenta em argumentos de autoridade - o que afirmo tem de ser verdade porque já foi atestado por X e Y (no caso, por Hayek e Rothbard).
Duas objecções decorrem imediatamente:
(1) Foi precisamente a partir do "caso Hayek" que delineei toda a minha posta («O "equívoco Molina", em que o próprio Hayek terá resvalado», escrevi) e, inclusivamente, foi devido a esse erro que baptizei o conceito com o nome de Luís de Molina já que, então, estava a comentar uma posta sobre Juan de Mariana - daí a evitável perissologia;
(2) Quando impropriamente usado, o argumento de autoridade apenas serve para tornar a discussão inconsequente - não se pode fazer prevalecer uma tese alegando sumariamente a inquestionabilidade da superioridade da fonte!
Citar a fonte é um apoio argumentativo, com inegáveis virtudes ilustrativas e éticas, que visa ancorar um raciocínio mas nunca suportar solitariamente uma proposição. Caso contrário, estaremos perante uma mera concordância, i.e. uma exposição acrítica de posições alheias.
Infelizmente, esses vícios argumentativos são sobejamente abusados na blogosfera (normalmente por gente sem a qualidade do Rui [corrigido devido a esta chamada de atenção]). Ninguém prova a sua razão apenas por apelar à extrema fidelidade das suas premissas com uma cartilha, por muito capazes que sejam os seus mentores - isso constitui um tique evangélico (para diversificar um pouco) que acaba por retirar solidez àquilo que se pretende demonstrar.
O Rui sabe melhor do que eu que o "Tribunal dos Mortos" caracterizou uma época de aridez criativa do Direito. E que, muitos séculos depois, o recurso sistemático à "Opinião Comum dos Doutores" cristalizou o saber. Por isso, esses e outros métodos semelhantes foram abandonados.
Na discussão liberal, entre nós, há duas tendências que se têm destacado - a primeira que, mal ou bem, gosta de pensar por si não esquecendo os adquiridos anteriores, mas sem seguidismos (esse será, talvez, o maior mérito dos autores do Blasfémias); uma segunda, que parece obstinar-se em repetir um pouco tautologicamente (não é o caso do Rui) aquilo que alguns idolatrados declararam em contextos muito distintos.
Esta última tendência, por sua vez, divide-se entre os que têm uma dificuldade irremediável, quase física, em correrem o risco de ficarem de fora de um mainstream; e os que nem sequer entendem o que é um debate intelectual, confundindo razões com cânticos de bancada ou a recitação de credos.
Porque conheço o Rui, sei bem de que lado está. E, espero, que nem mesmo o seu inesgotável sentido de humor o impelirá a adesões contra-natura...