19.5.06

NÃO HÁ liberalismo QUE NOS PERMITA PRESCINDIR DO BOM SENSO

Fui perguntado se «estava a brincar» quando me congratulei com a próxima revogação do Decreto-Lei nº 73/73 que durante penosos 33 anos permitiu a engenheiros e mais alguns curiosos elaborar projectos de arquitectura como se tivessem alguma preparação específica para tal - que não possuem. Espantado, vi que muita gente acha natural que qualquer um possa desempenhar uma função sem ter nenhuma formação científica...
Percebi, ainda, que a maioria das dúvidas que se levantavam estavam assentes numa interpretação algo tosca da ideia de exclusividade no mercado. Alguém chegou mesmo a carpir, sob a forma de comentário, que se tinha «eliminado a concorrência através de uma imposição legal» prejudicando os consumidores. Outros rasgaram as vestes e verteram cinzas em cima da cabeça bradando sacrilégio contra o "seu" liberalismo. Face a estes e a outros disparates, julgo conveniente esclarecer o seguinte:
i) a ideia de mercado livre não se confunde com a possibilidade de todos poderem nele actuar sem quaisquer condições ou requisitos prévios;
ii) a esmagadora maioria dos mercados implica uma aferição da verificação de exigências para neles se poder agir como agente de pleno direito;
iii) isto é sobretudo verdade nos mercados profissionais, i.e. aqueles em que só os cientificamente preparados e devidamente habilitados para a prática de uma profissão a podem exercer;
iiii) aqueles que entenderem por bem discordar deste tipo de requisitos específicos para o exercício de uma profissão, capazes de salvaguardar minimamente a qualidade do resultado (entre muitas outras coisas sobre que agora não tenho tempo nem paciência para discorrer) façam o obséquio de se comportarem da seguinte maneira:
  • da próxima vez que tiverem uma dor de dentes não vão ao dentista - peçam a um amigo ou a qualquer transeunte que vos arranque o dente.
  • se, por infelicidade, tiverem um achaque não procurem um médico e afastem-se dos hospitais - cumprindo escrupulosamente o "vosso" entendimento de mercado livre, peçam ao senhor que vos serve cafés para vos medicar e, se for caso disso, afiar a faca para uma intervenção cirúrgica de pendor libertário...
  • se alguém vos agredir ou vos burlar, se um município vos esbulhar um prédio, não recorram ao conselho profissional de um advogado - peçam parecer ao homem da drogaria ou, caso sejam pessoas de fé, ao padre mais próximo (talvez seja melhor não, já que o mercado dos "padres" também exige requisitos e preparação específica prévia).
P-S: estou perfeitamente de acordo com os pontos desta proposta.