12.5.06

um critério liberal

Se nalgum país da Europa o exercício do poder governativo assume uma feição particularmente odiosa, será seguramente em França. Sem pretender ser exaustivo e referir uma quase inesgotável lista de salafrários que mandaram naquele país e naquelas pobres gentes, lembro Richelieu, Luís XIV, Robespierre, Marat, Danton, Bonaparte, Pétain, de Gaulle, Mitterrand e Chirac. É um rol capaz de fazer perder o sono ao mais intrépido dos patifes e, se o quiséssemos continuar, dificilmente teria fim. Depois, há as expressões da arrogância, da jactância, da insolência do poder soberano francês: a pessoalização do absolutismo estatista em todas estas personagens seja no «L'État, c'est moi» de Luís XIV, na «virtude» assassina do Comité de Salvação Pública, nas invasões «libertadoras» de Bonaparte, na majestática «La grandeur de la France» de de Gaulle. Este último, de resto, legou ao seu país e aos pobres franceses um pérfido sistema de governo, concebido para perpetuar no poder autocratas e tiranetes da sua índole. A V República e a Constituição de 1958 que a instituiu, entregou ao chefe de Estado um poder quase ilimitado por um período de tempo que será sempre em média de catorze anos consecutivos. Imagina-se o que não poderá fazer alguém - mais ou menos escrupuloso - com um tão imenso poder durante um tão longo período de tempo. Basta olhar para as últimas décadas da história francesa para perceber. De Gaulle saiu de «alcatrão e penas», Mitterrand saiu diminuído sob a ameaça de vários escândalos, que só a sua morte acabaria por conter. E, agora, Chirac é notícia diária dos jornais pelas piores razões, a última das quais este sórdido escândalo Clearstream, que em qualquer sistema presidencialista democrático e saudável, o teria, há muito, arredado do poder.
É sabido, desde sempre, que todo o poder corrompe e que o poder total corrompe totalmente. De Gaulle criou em França um sistema que permite a pior expressão humana do exercício do poder político. Por mim, desde há muito considero que um bom critério para distinguir a direita liberal da «outra», é traçar uma linha separadora entre os admiradores e os críticos do velho general. E cada vez mais me convenço da bondade e da utilidade do critério.