10.1.07

argumentário liberal contra o direito fundamental ao aborto - 2

1. Equívocos. Não subsiste qualquer equívoco quanto às intenções do governo sobre a inserção do aborto no Serviço Nacional de Saúde, no termos que a futura lei vier a permitir. O governo foi, diga-se em abono da verdade, muito claro quanto a isso, nomeadamente pela voz do senhor Ministro da Saúde, que inclusivamente já quantificou os custos de cada intervenção entre ? 300,00 e ? 700,00.###
2. Falta de nexo de causalidade. Não existe qualquer nexo de causalidade entre: a) despenalizar, ou mesmo até descriminalizar, a prática do aborto; b) tornar o aborto numa prática sustentada pelo Estado e pelos contribuintes. Tanto mais que, para muitos destes, esta é uma matéria que envolve convicções e sentimentos éticos, religiosos e morais, que um Estado de direito democrático deve saber respeitar e não pode impor. Pelo menos, para quem tiver do Estado uma visão liberal.

3. Saúde pública. O problema da saúde pública provocado pelo aborto clandestino, muitas vezes a cargo de abortadeiras de vão-de-escada sem competência nem meios para o fazer, subsiste por se tratar de uma prática ilícita, logo, explorada de forma marginal. Não ocorre pela alegada inexistência de recursos de quem aborta, já que esses serviços estão longe de ser gratuitos. Podem ser eventualmente mais baratos do que o custo de uma deslocação a Badajoz, a Paris ou a Londres, mas, uma vez despenalizado, esse problema desaparecerá, pelo que não poderá ser aceite como «argumento» a favor da decisão anunciada pelo governo.

4. Despesas com a saúde. Numa altura em que o SNS introduz taxas moderadoras progressivas para a prestação de efectivos serviços de saúde; em que o Estado diminui substancialmente a sua comparticipação em medicamentos necessários, esses sim, à saúde de milhões de cidadãos portugueses; em que os hospitais públicos continuam com carências de toda a ordem; em que se fecham maternidades e centros de saúde por falta de dinheiro; estar a disponibilizar recursos que se anunciam vultuosos para a interrupção voluntária da gravidez, em casos onde não exista qualquer risco para a saúde da mulher, não pode merecer a concordância de um liberal.

5. Aborto por motivos de saúde da mãe. Nos casos previstos na lei actualmente em vigor, que o SNS já cobre, está, de facto, em causa a saúde física ou psíquica da mulher: fetos com malformações graves; gravidezes provocadas por violação; perigo de vida da mãe. São, por isso, situações absolutamente incomparáveis com a interrupção voluntária de uma gravidez resultante de uma sexualidade normal e consentida.

6. O direito fundamental ao aborto gratuito. Uma vez adquirido o direito fundamental ao aborto gratuito, nenhum governo terá coragem de alterar o seu regime legal. Tanto mais que logo surgirá quem, e com razão, alegará que esse quadro legal foi referendado.

7. A pedagogia da asneira. É um erro, infelizmente recorrente na política portuguesa, apagar um erro com outro. Por isso, não se pode aceitar que devamos aprovar o aborto como direito fundamental assegurado gratuitamente pelo Estado, para obtermos a sua despenalização. Não se trata de, como diz o CAA, estar a impedir a resolução de uma parte importante do problema por não conseguir resolvê-lo todo. É que o problema em causa é novo, é outro bem distinto da descriminalização, e foi criado sem necessidade.

8. Estratégias. Como é, também, um absurdo dizer-se que agora se vota a despenalização e, mais tarde, se tratará de retirar o aborto do SNS. Não: agora vota-se em ambas as coisas e não haverá, no futuro, espaço para recuos.

9. Responsabilidades. Se do referendo sair a vitória do «não», é bom que se tenha a consciência de que a responsabilidade é de quem quis transformar uma questão do foro jurídico-penal, numa causa ideológica, com laivos de romantismo socialista da revolução industrial inglesa.