Não gosto de me vitimizar enquanto mulher. Não penso que em Portugal as mulheres sejam prejudicadas ou discriminadas, face aos homens, para além de limites aceitáveis. Mas a história que vou contar a seguir deixou-me a pensar. Seria o desfecho igual se o queixoso fosse um homem? Nunca vou compreender a duplicidade (às vezes a tri, tetra, etc. plicidade) das interpretações da lei.
Um homem sofreu um acidente de viação, causado por outro homem e ficou com disfunção eréctil. A mulher do acidentado apresentou um processo contra a seguradora do causador do acidente, pedindo uma indemnização pelos danos morais que a disfunção eréctil do marido lhe causou, traduzidos na incapacidade deste em assegurar o chamado débito conjugal.
Na primeira instância, a seguradora foi absolvida sem julgamento formal, por o juiz (de certeza um homem) entender que os danos reclamados não eram indemnizáveis.
O Tribunal da Relação do Porto, porém, entendeu que tais danos mereceiam ser indemnizados, se provados, e ordenou que o processo prosseguisse. Se a queixosa provasse que a disfunção eréctil lhe causava (a ela) danos, estes tinham de ser pagos pela companhia de seguros. Escreveu o relator da decisão:
«O cônjuge de sinistrado em acidente de viação que em virtude do acidente ficou afectado na sua capacidade sexual, tem direito a ser indemnizado por se sentir afectado directamente no seu direito à sexualidade no âmbito dos deveres conjugais com referência expressa ao débito conjugal.»
A companhia seguradora, como de costume, recorreu logo para o Supremo Tribunal e Justiça. E ganhou:
«A mulher casada com vítima de acidente de viação causador de lesões que provocaram disfunção eréctil, não tem direito de reclamar, do responsável, indemnização por danos não patrimoniais.»
O principal argumento dos Senhores Conselheiros foi este: «Não pode pôr-se em causa que numa situação como esta, bem como nos casos em que ocorram lesões graves em acidentes, podem ser, e são-no frequentemente, muito graves os danos colaterais suportadas por quem não sofreu o impacto directo da ofensa. Mas é evidente o propósito do legislador no sentido de delimitar ou circunscrever o âmbito dos titulares do direito a indemnização [excluindo os terceiros, em caso de "lesão corporal"; apenas no caso de morte podem os respectivos familiares reclamar indemnizações pelo seu sofrimento].
Isto é ou não é um absurdo?