4.6.04

OBRAS DO SENHOR



HORA: 23,15
O meu amigo CAA acabou de me telefonar em estado de desespero. Com a voz (e, depreendo, o espírito) completamente alterada, inicialmente temi que tivesse levado excessivamente a peito alguma coisa que eu pudesse ter por aqui escrito sobre o PND, no qual ele milita com um entusiasmo que já lhe não via desde os quinze anos.
Graças a Deus, por um lado, e infelizmente para ele, por outro, não era nada de política. Ou até seria, pensava ele. O caso é que o CAA, quando me telefonou, estava no seu carro, parado na VCI, ia já para uma hora. Justamente indignado pela desconsideração a que fora sujeito, o meu amigo CAA imputou a sua desdita às obras do Metro que, segundo ele, ultimavam à pressa a inauguração de amanhã de cinco estações, tendo, para isso, cortado o trânsito na cidade e infernizado a vida a milhares de cidadãos. Em estado de desespero por não ter um computador por perto, pediu-me que fizesse, em seu nome, uma posta de protesto.

HORA: 23,20
Respondendo prontamente às solicitações do meu amigo CAA, que para mim são ordens (nunca se sabe como vai acabar esta coisa do PND...), iniciei um «protest post», tentando genuinamente encarnar a vitimada personagem, pôr-me na pele dele, e escrever o que lhe iria na alma. Por uma questão de método e rigor científico, do qual me sou incapaz de separar, consultei os sites oficiais da Câmara Municipal do Porto e do Metro do Porto, onde esperava encontrar qualquer explicação, um aviso à população, um pedido de desculpas. Qual quê! No site da CMP só vi muitas fotografias do Dr. Rui Rio a fazer coisas notáveis em prol da cidade do Porto. No do Metro encontrei, de facto, a informação da inauguração das novas estações, mas, quanto a cortes de estrada, ajuntamentos, concentrações humanas e confusões, nada. O mais próximo disso que por lá vi foi isto:

«GNR ao Vivo no Estádio do Dragão
6 de Junho, às 19 horas
O Metro do Porto promove no próximo domingo, dia 6 de Junho, pelas 19 horas, um concerto dos GNR, que marca a entrada em operação da extensão da Linha Azul (A), entre as estações da Trindade e do Estádio do Dragão.»


Nem pelo dia, nem pela hora, nem pelo estado da popularidade dos GNR, incapazes, nos últimos anos, de provocarem grandes ajuntamentos, não podia estar ali uma explicação.

HORA: 23,30
O meu amigo CAA telefona-me ainda angustiado, mas um pouco mais calmo, e diz-me que já tinha decifrado o enigma: a VCI estava em obras (está sempre) e as três faixas tinham sido reduzidas só a uma (são sempre). Esteve duas horas para conseguir passar as obras de que, também, ninguém avisara os condutores. Parece que há por lá semeados uns painéis eléctricos que poderiam servir para estas coisas, mas só são utilizados para advertir os condutores da velocidade máxima a que podem circular - 90 - o que é, obviamente, uma utopia e uma graça de mau gosto: na VCI, por princípio, não se circula nem depressa, nem devagar. Anda-se aos solavancos, a gastar travões e embraiagens. O CAA, que vive no Porto desde sempre, já devia saber disso. Espero que tenha já chegado a casa, e esteja em estado de tranquilamente «postar» sobre o assunto.